A POETISA – Parte 2

Sofia vibrou de alegria ao receber a resposta de “sua amada”. Elizabeth entregara o bilhete de “Ângela” 3 dias depois, já que a irmã costumava demorar a responder cartas, e-mails, dentre outras coisas. Visava, com isso, não levantar qualquer suspeita em Sofia. A amiga podia ser tapada, mas não era burra.

– Ela desconfia que seja eu a remetente? – perguntou a Liz, que negou imediatamente.

– Não. Se bem que ela me perguntou se eu sabia quem era o admirador secreto dela…

– E??

– E eu disse que era um segredo…

– Hum…

– Hum, o quê? Queria que eu dissesse logo de cara que era você? – respondeu Liz, ficando impaciente. “Eu amaldiçoo você, Sofia, por me fazer passar por isso!”, praguejava intimamente.

– Nossa, o que você tem? – Sofia se surpreendeu com a atitude irritadiça da amiga.

– Nada, nada! – Liz se entufou. Não queria entrar em detalhes. A situação era-lhe muito desagradável.

– Ao menos ela me respondeu! – concluiu Sofia, ignorando o mal humor da amiga. – Obrigada, Lizzie! – envolveu a moça com os braços, fazendo-a abrandar a expressão enfezada.

Para alegrar ainda mais Sofia, a líder de classe acabara de se posicionar no mini púlpito da sala:

– Gente, bom dia! Vou dar um aviso a vocês. – Liz dera um tapa estridente no braço de Sofia (quase babando ao apreciar sua musa), a qual reclamou do ato com um resmungo.

Algumas pessoas pediram silêncio com um “shhh”, e a oradora continuou.

– Bem, como nós estamos prestes a nos formar, a escola sugeriu que fizéssemos uma festa de despedida.

Antes que ela proferisse qualquer outra palavra, a sala começou a comemorar. Os alunos em coro, ora assoviando, ora gritando. Ângela pediu, mais uma vez, a atenção de todos e prosseguiu:

– Como não juntamos muito dinheiro para isso, pensei que se comemorássemos em minha casa, que é grande e tem espaço suficiente para uma festa como essa, sairia mais em conta. O que acham?

Após muitas conversas paralelas, decidiram por unanimidade que a festa seria na casa da líder de classe.

Nem as aulas que viriam a seguir conseguiriam tirar a animação da turma, exceto por Elizabeth, que não viu nenhuma vantagem em dar uma festa gigantesca em sua casa – pelo contrário, esta programação só punha em risco o seu plano (de proteger Sofia da verdade dolorosa).

– Vou falar com Ângela. Nossos pais vão sair no dia da festa, e ela não pode fazer uma bagunça dessas sem contar a eles. – deu uma desculpa esfarrapada.

– Para de ser estraga-prazeres, Liz! Você não vê? É uma oportunidade de chegar nela!

Liz engoliu em seco.

– Acontece que EU sou a responsável pela ordem lá de casa! Ângela é a caçula e precisa vir até mim primeiro!

Sofia deu uma risadinha irônica.

– Se eu não te conhecesse, diria que você está com ciúmes de sua irmã…

– Ciúmes!? – berrou, sem graça. – E-eu…

– Perdeu até a fala… – Sofia ria alto da amiga.

– Tudo bem, se é assim que você quer! – derrubou a cadeira ao levantar-se, assim que o sinal tocou.

Sofia a seguiu, segurando-a pelo braço. – Espera! Eu só estava brincando! Você está muito estranha hoje…

Encararam-se por alguns instantes, que pareceram horas.

– Eu só estou num dia ruim, só isso… – Suspirou Liz, desviando o olhar para o lado.

Sofia a segurou pelos ombros, colocando o cabelo da amiga por trás da orelha e fazendo-a, gentilmente, virar a cabeça em sua direção.

– Desculpe, Lizza. Eu não quis pegar pesado com você.

Elizabeth segurou, o máximo que pôde, uma lágrima intrusa, que ameaçava cair dos seus olhos. Aquela aproximação havia feito suas pernas bambearem.

– Você está bem? – perguntou Sofia, estreitando os braços ao redor da moça à sua frente. – Não fique assim… Desculpe…

Liz fechou os olhos. O perfume da poetisa atiçava seus sentidos, atingindo o âmago do seu ser. Por que a amiga não notava o quanto mexia com ela?

“Sua cega, filha da mãe”, proferia mentalmente, aproveitando aquele momento quase paradisíaco.

As duas se despediram ali, prometendo conversar sobre os “babados” do dia mais tarde, por telefone.

Várias semanas passaram e, como toda a turma se mantivesse envolvida nos preparativos da formatura, mal se deram conta de que havia chegado, enfim, o dia da festa.

A noite do sábado iluminava-se com a lua cheia e com as máscaras reluzentes que saíam dos carros. Um a um, os alunos dirigiam-se à luxuosa casa da família de Liz e Ângela – os garotos com seu black-tie impecável e as moças com vestidos longos de todas as cores e estilos possíveis.

Ângela usava um vestido dourado, extremamente chamativo, com uma máscara de lantejoulas prateadas e detalhes igualmente dourados. Elizabeth, por sua vez, embora mais simples, estava estonteante no vestido azul turquesa, com máscara idêntica à da irmã. Os cabelos negros compridos (e cheios) modelavam-se perfeitamente ao seu rosto longilíneo.

Quando Sofia chegou à festa, desajeitada ao andar, foi logo procurando Liz. No instante em que a avistou, deteve-se, em choque.

– Você está linda… – balbuciou, e, por alguns instantes, Liz pensou ter visto um lampejo inesperado nos olhos da amiga.

– Você também está muito sexy… – respondeu, brincalhona, ao elogio de Sofia, que enrubesceu com o comentário.

– Pois é, mas não me dou muito bem com vestidos… nem com salto – apontou para os pés tortos, que malmente se equilibravam. Os cachinhos ruivos de Sofia voavam ao bel-prazer do vento. O traje em verde esmeralda destacava a cor dos seus cabelos e a pele repleta de sardas.

Liz a segurou pelos braços, equilibrando-a, e seguiram as duas a explorar o salão, parando, de vez em vez, para Sofia ajeitar os sapatos.

Após cumprimentar alguns colegas e pondo-se num local mais elevado, Ângela deu as boas-vindas aos convidados, o que fez com que Sofia interrompesse sua caminhada com Liz.

– Boa noite a todos! Que comece a festa!

As pessoas começaram a gritar animadamente, dirigindo-se para a pista de dança, onde o DJ havia se instalado.

Sofia chamou Liz num canto, sussurrando em seu ouvido.

– Por favor, Liz, não tem como você me arranjar um encontro com sua irmã? Essa é a minha única chance…

Elizabeth mordeu os lábios.

– Tem certeza que é isso mesmo que você quer?

Sofia anuiu que sim com a cabeça.

– Vou ver o que posso fazer… – prometeu Liz, saindo rapidamente do lado da amiga.

Quando voltou, minutos depois, trouxe novidades:

– Contei a verdade a Ângela e ela vai se encontrar com você daqui a uma hora.

Ignorando o surto histérico de Sofia, continuou, com uma entonação grave:

– Preste atenção: ela mandou você esperar no quarto dela, mas NÃO conte isso a ninguém, não saia de lá em nenhuma hipótese, nem toque em absolutamente nada daquele quarto, entendeu? … São essas as condições…

Sofia concordou prontamente. – Entendi, entendi!

Estava radiante e, ao mesmo tempo, bastante ansiosa. Jamais tivera um encontro desse tipo com nenhuma mulher.

– Me ajude, Liz, o que eu faço? Tem certeza que ela quer me ver? – sua voz era trêmula.

– Tenho! Apenas relaxe e seja você mesma. – Liz acariciou os cachinhos da amiga e, ao ir se retirando mais uma vez, Sofia a segurou pela mão.

– Como posso te agradecer pelas coisas que você faz por mim?

Num rápido movimento, Liz a beijou na bochecha, controlando-se para não demonstrar a grande emoção que sentia.

– Nada… – respondeu, misturando-se, paulatinamente, à multidão, até sumir de vista.

Depois de ingerir duas ou três Roskas, Sofia subiu, com mais coragem, as escadas da mansão, dirigindo-se ao quarto de Ângela. O cômodo era pequeno, com uma cama de solteiro forrada, o guarda-roupas e algo que se assemelhava a um computador. Tudo estava na penumbra, embora a janela aberta deixasse a luz da lua iluminar minimamente os móveis.

Entrou na ponta dos pés, fechando a porta atrás de si. Sentou-se na cama, esfregando as mãos uma na outra, já suadas de nervosismo e tensão. Ouvira barulhos que vinham do corredor, fora do quarto. Pareciam vozes femininas.

“Seria Ângela?”

Alguns passos caminharam certeiros até a porta, parando bem em frente ao quarto em que estava. Com a débil iluminação exterior, Sofia testemunhou, entorpecida, a entrada majestosa de sua musa, com o vestido dourado e a máscara cor de prata.

Ali estava ela: a mulher da sua vida…

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