A POETISA – Parte Final

A dama de dourado deslizava pelo chão com toda a graça que detinha, em direção à poetisa, que a aguardava na beira da cama.

– Ângela, agora que você sabe quem eu sou, quero…

A moça tapou levemente a boca de Sofia com a palma da mão. De imediato, beijou-a nos lábios com delicadeza, sussurrando, em seguida, no seu ouvido:

– Eu sempre te amei…

O coração de Sofia estava aos pulos. Sem pensar, puxou sua amada para junto de si, beijando-a apaixonadamente.

Livrando-se das próprias roupas, a jovem do vestido dourado já tocava os botões do vestido de Sofia, quando esta berrou, titubeante com a situação:

– Espera! E-eu sou virgem…

Apesar do escuro, o sorriso da moça iluminou o espaço. Acarinhando os cabelos cacheados de Sofia, desabotoou, pacientemente, o vestido de sua admiradora secreta, cuidando para que ela se sentisse confortável. Foi o suficiente para que Sofia se entregasse sem qualquer temor.

Recomeçaram a se beijar, com todo o ardor da juventude. Ajoelhadas, frente a frente, roçavam os seios desnudos entre si, ao passo em que as bocas se buscavam freneticamente.

Tomada nos braços da jovem a quem se entregava, Sofia viu seus seios serem sorvidos, com carinho e cuidado, vislumbrando, também, o imenso prazer de receber um sexo oral pela primeira vez. Depois, repetiu os mesmos movimentos que sua parceira executara. Desceu até o sexo da moça e, lá, apreciou o delicioso sabor de uma mulher. Com a língua, estimulou – apreciando cada sensação – o clitóris de sua musa inspiradora, a qual, arduamente, continha o próprio gemido. A cada investida da poetisa, a garota mordia os lábios, a fim de amenizar o latejo em sua virilha e todo o tesão que aquela boca ousada lhe proporcionava.

Tocavam-se mutuamente, descobrindo os pontos mais prazerosos em si e na companheira. Começaram a estremecer incontrolavelmente, conforme se aproximava o intenso orgasmo. Cada qual estimulando o sexo da outra com as mãos, sentiram, ali mesmo, naquela pequena cama, os efeitos do gozo libertador.

– Eu te amo… – sussurrou Sofia, gentilmente envolvida pela moça.

Àquela altura, já sentia os efeitos das bebidas que tomara, antes de ir encontrar-se com Ângela. Com muita dificuldade, conseguia manter-se alerta.

– Durma… – incentivou a voz ao seu lado, e Sofia obedeceu, vencida por um tipo de cansaço esmagador. Sem pensar em mais nada, aconchegou-se no colo da moça e rendeu-se ao sono.

————

Sofia acordou às 7h da manhã.

Os raios de Sol feriram sua vista, fazendo-a esquecer momentaneamente onde estava. Por sorte, a ressaca não lhe causara danos maiores que uma simples desorientação.

Ao que tudo indicava, Ângela abandonara a cama bem no início da manhã, deixando um bilhete no criado mudo.

Sofia sorriu. Era a criatura mais feliz do mundo.

Ao mesmo tempo em que espreguiçava, Liz entrou correndo no quarto.

– Sofia, você precisa ir!

– Quê? Ir pra onde?

– Pra sua casa! Meus pais daqui a pouco chegam e não podem ver você aqui, nem a bagunça desse quarto! Vamos, xô!

Sofia soltou uma gargalhada gostosa.

– Você é muito mal-educada, sabia?

Elizabeth segurou o riso. Precisava parecer séria.

– É verdade! Por favor, depois a gente conversa!

Meio grogue, Sofia saiu, num salto, dos lençóis. Liz fitava – enviesadamente – a nudez da amiga, embasbacada por sua silhueta esguia e atraente.

– Você pode me emprestar uma roupa comum? – pediu Sofia, sem se dar conta do embaraço da amiga. – Não quero usar o vestido de novo…

– Sim, claro…

Liz voltou ao quarto com roupas casuais, emprestando-as a Sofia e voltando a enxotá-la.

Combinaram de se ver mais tarde, na casa de Sofia.

Assim que Liz chegou na casa da amiga, começaram a conversar animadamente sobre a noite anterior.

– Foi tudo mágico, Liz! Ela entrou no quarto com aquele vestido e começou a tirar a roupa. Aí, quando eu disse que era virgem, ela me despiu com tanta delicadeza que eu quase pirei!

Liz escutava a amiga atentamente, vez ou outra, esboçando um sorriso acanhado. As bochechas também coravam, especialmente ao ouvir os relatos mais picantes da noite de sua companheira inseparável.

– Que bom que você teve sua primeira vez com alguém especial… – murmurou Liz, fitando a interlocutora nos olhos.

Sofia percebeu uma luz diferente em seu olhar.

– Liz…

Ambas se encararam. De repente, a poetisa havia perdido as palavras. “Por que não sabia o que dizer para a sua melhor amiga?”

– Que foi, Sofi? – Perguntou Elizabeth, ocultando toda a agonia que lhe esmagava o estômago.

– Você ainda é virgem, Lizza… – desconversou, constrangida por sua falta de assunto repentina – e pela ternura que incendiou seu peito inadvertidamente, ao notar, de modo inédito, o quanto Elizabeth era linda, mesmo que levemente enrubescida.

– Na verdade, não sou mais… – revelou Liz. O coração batia depressa, pressentindo algo novo no ar assim que articulara essa frase. “Era impressão ou Sofia estava, de fato, demonstrando um interesse romântico nela?”.

– Não? Quando aconteceu? – perguntou Sofi, desconfortável. “Ela tem o direito de transar com quem quiser!”, tentava convencer-se, num monólogo interno. Por que não conseguia digerir o “não sou mais virgem” de Liz?

– Meu Deus, já é tarde! Tenho que ir agora! Depois te conto com calma… – Elizabeth levantou-se de supetão da cama de Sofia, interrompendo a conversa tensa. – A gente se fala amanhã… – despediu-se da amiga rapidamente, evitando que houvesse qualquer oportunidade para perguntas extras.

No dia seguinte, os pensamentos pareciam mais desassossegados que o normal na mente de Liz. Precisava pôr Sofia a par de tudo, o mais rápido possível, pois não estava aguentando mais sustentar uma mentira.

Chegando à escola, procurou a amiga por todos os cantos, correndo alucinada de sala em sala. Ao chegar no final do corredor, encontrara-a escorada na parede.

– Sofi, preciso te contar uma coisa!

– Oi, Liz, me diz o que é, ora!

– Eu…

Cortando a fala de Liz, Ângela surgiu, abraçada com Luís. Recebera dele um beijo de língua demorado, que fez quase todos os presentes aplaudirem e assoviarem.

A expressão de Sofia era de total desalento.

– Ân-Ângela – gaguejou, quase rouca.

Ângela virou-se, buscando a voz vacilante que a chamava. Simultaneamente, Liz tentara acalmá-la.

– Sofi, por favor, esqueça isso…

Sofia estava lívida.

– Sábado à noite não significou nada? – Questionou, com lágrimas nos olhos. Liz segurava seus braços, sentindo seus tremores.

–  Tá louca, menina? Que sábado? Que noite? – Ângela soltou uma risada eivada de deboche, dando o suposto “mal-entendido” por encerrado. Voltou-se, então, para a irmã. – A propósito, Liz, o trato que fizemos foi de emprestar o MEU vestido em troca de um “favor particular”, não de VOCÊ deixá-lo sujo dentro do SEU armário. Vou contar tudo a mamãe se você não limpar meu traje de gala até amanhã… – ameaçou, afastando-se de Liz e Sofia com sua clássica pompa de rainha.

Sofia fitava Líz com a raiva estampada no rosto. Compreendera tudo.

– Foi você, não foi? Você mentiu para mim, dormiu comigo como se fosse Ângela!

– Deixa eu me explicar, Sofi! Eu não queria que você sofresse… eu quis te proteger! – Liz falava com a voz embargada. – Ângela não te merece!

– Por que, Liza? Por quê? – indagou Sofia, tentando esconder as lágrimas e os soluços.

– Porque eu te amo! – Elizabeth segurou, com força, o rosto choroso da poetisa entre as mãos, forçando o encontro dos seus olhares. Sem querer tornar-se o centro das atenções, proferiu baixinho:

– Você é tudo pra mim… será que não percebe?

Sofia havia parado de chorar. Sua expressão passara da fúria ao assombro. Perturbada, pediu:

– Me deixe em paz.

Afastando-se bruscamente da amiga, deixou a escola, sem olhar para trás. Precisava pensar.

A poucos dias do fim do ano letivo, Sofia não retornara ao colégio sequer para pegar o boletim. Não atendia as ligações de Liz, nem as retornava, o que se tornou um motivo de grande preocupação para a amiga.

Apreensiva com a falta de informações, Liz saiu da aula mais cedo, indo direto à residência de Sofia.

Quem a recebeu foi a mãe da jovem.

– Tia, como ela está? – indagou Liz, aflita.

– Está no quarto… – Respondeu Dona Cândida, esboçando um sorriso simpático. – você não quer ir lá?

– Nós não estamos nos falando ultimamente…

– Tenho a impressão de que ela vai querer te receber desta vez… – disse, amistosamente, a mãe da poetisa.

Liz concordou em arriscar. Bateu na porta do quarto, mas não obteve resposta. Após algumas tentativas, girou a maçaneta da porta, que estava destrancada, adentrando o cômodo.

Assim que a viu, Sofia a fitou de maneira ininteligível, com um olhar emblemático e a expressão séria.

Como ninguém falava, Liz resolveu quebrar aquele silêncio asfixiante:

– Me desculpe, Sofi… eu menti porque sabia que Ângela gostava de outra pessoa. Eu sabia que isso te magoaria demais e eu não podia te ver mal, entende? Fui eu. Fui eu que lhe mandei os bilhetes, li e adorei a sua carta, sem contar as suas poesias secretas, que conheço de cor; eu estive naquele quarto, usei aquele vestido dourado e fiz amor com você… Eu sou a culpada por tudo! Me perdoe… eu…

Com um aceno, Sofia a fez parar de falar. Após breves instantes de total mudez, disse:

– Eu fiz uma poesia nova. Você quer ouvir?

Liz assentiu que sim, sentando-se junto à jovem, na cama. Não ousava falar nada.

Sofia desdobrou um papel, que se encontrava embaixo de seu travesseiro. Leu-o da maneira mais clara e audível de que foi capaz:

“Almejo o teu gemido incoerente

Ao pé do meu ouvido…. Que agonia!

Teu cheiro em minha pele me arrepia…

Transbordo-me de amor incandescente.

Cativa sou de ti, só por vontade,

Ao ver-te admirando-me, serena,

Após causar em ti a tempestade.

Te amo sem pudor, martírio ou pena.

Te quero como amiga e companheira,

Por toda a vida e além do infinito!

Tu fostes sempre a única e a primeira

E fazes do meu mundo mais bonito…”

– Eu descobri que é você que eu amo, Lizza. Desde sempre.

Liz desabou em prantos. O que tanto desejava havia acontecido: “Sofia a amava!”.

Abraçou forte a “sua” poetisa, beijando-a no rosto repetidas vezes, até colar seus lábios nos dela.

Desta vez, sem carecer de máscaras, ou vestidos…

 

Fim!

assinatura cika.fw