A PRINCESA – PARTE 01

POV MARIA

– Está pronta, senhorita? – Carlos me questionou pela vigésima vez, como se fosse a primeira vez que fazíamos isso.

– Sim. Fique tranquilo, será apenas mais uma noite. Só para fixar, nós somos o que?

– Primos – Carlos disse firme.

– Meu nome?

– Julia.

– Isso! Perfeito… Agora vamos nos divertir.

As horas passaram, Carlos estava se divertindo meio a distância, mas sempre alerta.  Já eu, só queria dançar como sempre e ver pessoas. Adoro a alegria do povo brasileiro, são tão felizes.

Saio sempre escondida de casa, só para beber um pouco, dar risada e observar pessoas. Adoro isso. Adoro roda de samba, acho lindo como as pessoas se entregam ao som, como os corpos se mexem, pena que eu não sei sambar. Tive aula de dança, mas de outro tipo, aquele tipo chato.

– Nossa. – Falei perdida em pensamentos, assim que vi uma negra de cabelos cacheados e sorriso contagiante sambando… um sorriso tão lindo, tão encantador. De tirar a gente do eixo.

Olhei tanto para ela, que ela me notou em meio à multidão, sorriu e mexeu no cabelo. Nunca fui uma pessoa corajosa, muito menos cara de pau, mas aquele sorriso me encantou tanto que precisava dar um jeito de conversar com ela.

Tomei um pouco da minha cerveja, mais para tomar coragem mesmo. E quando dei por mim, ela desapareceu do meu campo de visão.

– Merda! –Reclamei alto.

– Me procurando? – Senti uma voz gostosa perto da minha orelha. Era ela, só podia ser.

– Oi. – Falei toda tímida. – Na verdade, estava sim.

– Qual seu nome? – Ela perguntou sorridente.

– Julia, e o seu?

– Priscila. – Ela me deu um beijo no rosto. – É da comunidade?

– Não… Mas moro no Rio faz um tempo.

– Hummm, entendi… Tem muita gente olhando para você aqui, homens te achando linda. Mulheres também.

– Como sabe?

– Porque eu me incluo nesse seleto grupo. – Ela me encarou por tempo demais, e eu amei isso. – Quer dançar?

– Eu não sei sambar.

– Te ensino!

– Não, não dá. Vai ser um vexame, eu sambo tipo aqueles gringos no carnaval

– O famoso samba de dedinho.

– Exatamente.

– Percebi que não é muito de beber – Ela deu uma risada.

– É, mas, eu bebo as vezes…

– Antes de eu falar com você, você estava tomando muitos goles de cerveja, um atrás do outro.

– Era para dar coragem de falar contigo.

– Pareço um monstro? Ficou com medo de mim?

– Não, só te achei linda. – Confessei sem cerimônia, a cerveja deu certo.

– Você está acompanhada?

– Sim, estou com meu primo Carlos. – Apontei para a direção dele que me olhava atentamente. – Aquele ali.

– Será que vai achar ruim se sairmos daqui e formos conversar fora do galpão?

– Não, é só avisar. Acho que avisando não tem nenhum problema para ele. Ele é bem legal. – Chamei-o e Carlos veio prontamente. – Primo, conheci a Priscila, nós vamos conversar na ruazinha aqui do lado. Fique tranquilo, ok?

– Claro, vai lá… Prazer te conhecer, Priscila. – Ele esticou a mão para ela.

– Prazer é todo meu, Carlos. – Ela retribuiu. – Prometo cuidar da sua prima, e não iremos longe… Vem?

– Vamos.

Andamos conversando coisas aleatórias com a música.

– Pronto, aqui dá para sentar e conversar. Então Julia, me fala de você.

– Bom, acho melhor você me perguntar, não sou boa de dar um roteiro de como eu sou. – Ri sendo acompanhada por ela. – Então me pergunta.

– Qual sua idade?

– 23 e você?

– Tenho 23 também. Trabalha? Estuda?

– Estudo Geografia à distância, para dar aula. – Resposta pronta. Sempre me perguntam essa. – E você?

– Eu acabei de me formar em serviço social, quero ajudar a comunidade.

– Nossa, que legal! É um trabalho lindo.

– Pois é, ainda não atuo na área, mas nem preciso atuar para saber que vai ser um trabalho constante… O rei é uma merda.

– Oi? – Fiquei surpresa com o que ela disse.

– O rei, nosso rei. Eu fico puta com essas coisas sabe? Eu moro em uma favela, eu sei como as coisas funcionam e ele, lá do alto, quer decidir por nós. Fora que a Monarquia é um sistema totalmente antiquado, só o Brasil e a Inglaterra para continuar com essa besteira.

– Hum… – Foi a única coisa que consegui falar. Eu fiquei paralisada.

– Me desculpa, é que eu não sou nada fã da nossa família real… Principalmente do rei. E quando surge uma brecha para falar mal, eu falo.

– Tudo bem… Você trabalha? – Preferi mudar de assunto.

– Sim, em um hipermercado… Trabalho na parte de padaria.

– Legal! Você faz os pães?

– Não, na verdade até faço algumas coisas, mas, mais por curiosidade. O hipermercado já tem três padeiros, eu apenas pego o pão para o cliente, peso, coloco a etiquetinha, esse tipo de coisa.

– Deve ser legal trabalhar assim.

– Mais ou menos, viu? É bem quente e você não pode usar uma roupa que refresque… Nossa, é bem complicado. – ela tomou mais um gole de cerveja.

– Tem família aqui?

– Sim, moro com eles. Meu pai, mãe e dois irmão menores, são gêmeos e tem doze anos.

– Legal, família é tudo.

– Concordo, e você?

– Pai, mãe e irmã de quatorze anos e o meu primo Carlos, que mora já faz um tempo conosco. Moro com eles. – Ela me olhava atentamente. – O que foi?

– É que você parece um anjo. – Ela fez um leve carinho na minha mão.

– Pareço? – Perguntei surpresa.

– Humrum.

– Você parece mais, esse seu cabelo tem mais haver com anjo. – Toquei em seu cabelo. – Todo enroladinho.

– Gosta? – Afirmei com um gesto. – Sua família sabe que você é Bi… Les…? – Ela falou como quem tenta adivinhar.

– Bissexual. Minha mãe e meus irmãos, sim. Meu pai, não. E a sua família?

– Todos sabem, tive dois namoros longos com mulheres. Sou lésbica. Eu gostei de você, sabia? É como se eu já te conhecesse.  

– Também senti a mesma coisa. Isso é estranho, não é?

– Isso é estranhamente gostoso. – Ela sorriu.

Não sei por quantas horas fiquei na companhia dela, eu só sei que foi o papo mais gostoso e descontraído que tive em toda minha vida.

– Achei vocês. – Carlos apareceu. – Prima, já está bem tarde e temos um compromisso bem cedo.

– Mas já? – Priscila se manifestou. – Olha, eu estou de moto, se quiser te levo depois.

– Não. Valeu, mas eu realmente preciso ir, ele tem razão… Só me dê mais cinco minutinhos?

– Claro, espero aqui na esquina. – Ele foi caminhando.

– Seu primo é super protetor.

– É, mas é o melhor primo do mundo.

– Me passa seu whatsapp?

– Eu não tenho.

– Oi? Facebook? Instagram?

– Não tenho… Não tenho nem celular.

– Meu Deus, como você vive? Por favor me diga que você é humana, porque não quero me tornar personagem de uma lenda urbana. Onde passei a noite toda conversando com um fantasma, tipo o fantasma misterioso. Você é bem estranha. – Ela começou a rir.

– Juro que não estou morta, você tem uma caneta?

– Tenho. – Ela começou a mexer na bolsa.

– Quem traz uma caneta para balada? Você é estranha.

– Boa… Toma. – Ela me entregou o objeto.

– Não, é para você anotar aqui no meu braço o seu número, vou dar um jeito de entrar em contato.

– Ok… Vou anotar. – Ela terminou de anotar e fez um coraçãozinho.

– Você é linda, princesa. – Quando ela sussurrou isso no meu ouvido, levei um susto.

– Como assim? – Me afastei.

– Falei algo demais?

– Me chamou do que?

– Princesa… É um elogio, te elogiei apenas. – Ela ficou preocupada, então entendi o real sentido dela dizer isso e relaxei.

– Desculpa, eu entendi, desculpa.

– Está tudo bem, mesmo? – Ela se aproximou.

– Está sim, não me ache louca por favor. – Ri meio sem jeito.

– Você precisa ir, seu primo já está olhando demais para cá. Eu gostei muito de você, Julia.

– Também gostei de você, Priscila. – Segurei em sua mão.

– Gostou, mesmo?

– Sim, amei sua companhia… Nossa conversa.

– Posso te fazer uma pergunta? – Ela veio se aproximando.

– Pode.

– Se eu te desse um beijo, o que você faria? – Ela estava próxima demais.

– Te daria outro. – Respondi na lata.

– Sendo assim,  não vou ficar mais um minuto sem fazer o que eu quero desde que meus olhos viram você.

– O que? – Eu sabia o que, mas, eu queria ouvir.

– Te beijar. – Ela passou suas mãos pela minha cintura me prensando em um muro. Segurei em sua nuca trazendo-a para mais perto. Acho que acabo de dar o melhor beijo da minha vida. – Preciso te ver de novo.

– Eu também. – Sussurrei dando um beijo breve. – Preciso ir.

– Tchau, princesa.

– Tchau.

Fui caminhando sem olhar para tras, mas sentia seu olhar me acompanhando.


Horas depois

– Se me permite dizer, gostou muito daquela garota de hoje. Nunca vi a senhorita beijando alguém. A senhorita se arriscou, nunca foi de ficar sozinha com uma estranha. E, se me permite a liberdade, sempre foi muito discreta, até mesmo comigo, e, bom, quando cheguei em nenhum momento você se afastou da moça.

– Sim, Carlos, eu realmente gostei… Ela é linda, tem um bom papo, eu
estou profundamente encantada com ela. Não posso perder o seu número, preciso reencontra-la. Sabe que conto contigo para isso não é mesmo, Carlos? Você é mais do que meu segurança, é meu melhor amigo.

– Sei sim, e me sinto honrado… Te ajudarei no que for necessário.

POV PRISCILA

– Miga, que menina linda você saiu da roda de samba hoje. – Paloma me dizia enquanto voltávamos para casa.

– Pois é, linda mesmo. – Sorri automaticamente.

– Estou falando! Segue mais meus conselhos, ia ficar em casa mofando na cama. Quase perde a chance de conhecer aquela loira linda, olhos claros?

– Ela não é loira, o cabelo e castanho claro. E tem o olho meio azul escuro, é bem linda.  Mas, em minha defesa, meu corpo ficou moído. Já te falei, lavamos o setor da padaria e enxugamos tudo sozinhos. Mas, aquela menina… Linda, não é mesmo?

– Lindíssima… O rosto dela não me é estranho, é da comunidade?

– Não é não.

– De qual comunidade ela é?

– Boa pergunta, não sei… Não perguntei.

– Pegou o telefone dela? – Paloma parecia me entrevistar.

– Não… Ela não tem celular

– Que pessoa no mundo não tem um celular?

– Pois é, pensei nisso! Será que era uma desculpa para depois não ter contato comigo?

– Ah, acho que não. Até porque dizer isso significa que a pessoa não quer papo. Se ela pediu o seu e disse que entraria em contato, espera que ela vai entrar.

– Tomara amiga… Sei lá, senti uma energia tão boa vindo dela.

– Sabe qual energia que eu estou louca para sentir? A do seu colchão, porque vou dormir na sua casa hoje… Amanhã podemos ficar de leve na sua casa, fazer um churrasco ou lasanha, tomar uma cerveja.

– Pode ser, você praticamente mora la em casa mesmo.

– Seus pais me amam… Seus irmãos me amam. Ah, você me ama para caralho.

– Convencida!

– Eu posso!

– Fale baixo que a galera deve já estar dormindo. Pianinho.

– Estou com fome, cara.

– Puts Paloma, passamos de frente ao hot dog do Katra… Faz seguinte, vai para o quarto e fica lá, eu faço os miojos e levo no quarto

– Tá bom, querida. Tá com fome também?

– Você falou de comida, me deu vontade ue!


Comemos, falamos um pouco e dormimos, como sempre. Paloma é minha melhor amiga.

Acordamos com o cheiro bom da lasanha da minha mãe, meu pai já tinha ido comprar a cervejinha e meus irmãos aprontando pela casa.

Gosto disso, gosto de festa, casa cheia. Família reunida e cheia de amor.

– Bem que a gente podia descer para a praia. – Falei.

– Não filha, hoje é dia de desfile da família real, aniversário do rei, não podemos perder. – Minha mãe disse animada.

– Meu Deus, vocês são os únicos que ainda veem isso. – Retruquei.

– Claro que não, é tão lindo ver o rei todo na pose acompanhado da família. – Meu pai se sentou na poltrona.

– Um saco. – Balbuciei.

– Não é! – Minha irmã Fabiana disse nervosa. – Gosto de ver as roupas da rainha e das princesas. Esse ano será especial.

– Porque? – Falei com desdém.

– Porque o rei tem duas filhas, a maior e a menor, a menor mora com eles. A maior jamais foi vista, morava fora do país. Me parece que ela voltou para o Brasil e vai estar com a família dela no desfile. Quero saber se ela é tão linda quanto a mais nova.

– Toda princesa de verdade é feia. – Falei para provoca-la.

– É porque você não viu as do Brasil… Serio, a princesa Carolina é linda. E Quando eu crescer vou ser cavaleiro real. – Fernando, meu irmão, disse todo orgulhoso.

– É, vai… Não estuda não para você ver o que te acontece. Mas como todos querem ver essa palhaçada, eu e Paloma vamos para o quarto jogar conversa fora.

– Anti família real, sabe que se o nosso rei te pegar acaba com você. – Paloma disse brincando.

– Quero que esse rei e a família real dele tome no meio do cu.

– Vamos ver? – Paloma foi ligando a TV.

– Ver o que?

– O desfile… Podemos fazer igual naquele canal de Youtube, o Diva da Depressão, que apenas vê coisas para falar mal da roupa de tudo.

– Ah, pode ser… Pensando bem vai ser bom ficar em casa, amanhã começa tudo de novo.

Aguentei assistir só a primeira hora, dormi vendo os ministros falarem…

Acordei com socos e gritos da Paloma.

– Que isso? Que isso! – Comecei a revidar.

– Olha na TV. – Minha visão ainda embaçada pelo sono. – Tá vendo?

– Vendo o que?

– Esfrega esse olho… Espera. – A câmera estava focalizada na multidão. – Espera que ela vai aparecer.

– Ela quem?

– ELA! – Paloma apontou o dedo e eu cairia dura se já não estivesse deitada. – MIGA, É ELA… MEU DEUS, VOCÊ FICOU ONTEM COM A PRINCESA!

 

Continua…

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