POV CAROLINA.
– É sério, gata. Estou te falando, olha quando você fizer dezoito anos, te levo em uma roda de samba, é maravilhoso! – Paloma e eu conversávamos enquanto minha irmã e sua amiga não voltavam.
– Ih, acho que são elas voltando ali. – Disse e Paloma olhou atentamente.
– São elas mesmo… hum, foram dar uns beijinhos, cantamos aquela musiquinha dois namoradinhos? Não espera, tem que ser, duas namoradinhas… – Paloma disse e caímos na risada.
As duas saíram do carro com uma cara que nem parecia que tinham se beijado. Suponho que elas tenham se beijado.
– Vamos, Paloma? – Priscila perguntou tentando sorrir.
– Vamos, sim. – Paloma me olhou com uma cara. – Princesa Carolina, foi um prazer conhecer você. Espero te encontrar mais vezes.
– Claro! Vamos marcar de você vir me visitar, adorei ela, Priscila.
– Que bom que se deram bem. – Priscila sorriu.
– Princesa Maria, obrigada pelo convite foi uma noite incrível.
– Muito feliz que tenha gostado, Paloma. – Maria respondeu forçando um sorriso, eu conheço minha irmã, ela não está nada bem. – Priscila, obrigada por ter vindo, de verdade.
– Imagina, eu que agradeço pelo convite.
– O carro de vocês chegou, esse é o Gustavo, nosso motorista, podem ficar tranquilas estão em boas mãos. Por favor, leve as duas damas em segurança, Gustavo, deixe ambas aonde elas solicitarem, por favor.
– Sim, princesa. – O senhor respondeu firmemente e abriu a porta do carro, dando as mãos para Paloma entrar e em seguida Priscila. – Fecharei a porta, senhoritas, com sua licença.
O vidro aberto, aquele silêncio constrangedor entre Priscila e minha irmã, Paloma trocava olhares comigo, provavelmente pensando a mesma coisa que eu. O que será que aconteceu naquela estufa?
O carro disparou E assim que ele arrancou, com a mesma destreza Maria foi entrando para o castelo.
– Ei, espere por mim! – Tentei acompanhar seus passos, mas sem muito sucesso, afinal não sei andar tão bem de salto como ela.
– Não grite, está tarde. – Ela me repreendeu de maneira seca.
– Está brava comigo? – Consegui alcança-la.
– Não. – Ela parou me encarando. – Desculpe por descontar em você, me perdoe, foi sua festa de quinze anos. – Ela fez um carinho em meu rosto, pude ver seus olhos marejados. – Você cresceu rápido, menina… Se me der licença, vou me recolher. – E mais uma vez ela saiu andando apressadamente.
– Já? Pensei que poderíamos conversar.
– Sobre o que quer conversar?
– Sei lá! Qualquer coisa, estou sem sono. – Ela me olhou com uma cara que eu traduziria como: “está sem sono? Problema é seu”. Mas, como ela é minha irmã e mais do que isso, ela é a Maria. Ela se limitou em abrir a porta do seu quarto e fazer sinal para que eu entre.
– Fique à vontade. Tranque a porta, por favor. – Maria se sentou na penteadeira e começou a tirar sua maquiagem, fazendo tudo em silêncio. Desfez seu penteado com calma e escovou seu cabelo. – Disse que queria conversar e está muda.
– Estou te admirando, você é linda. – Eu disse, ela me encarou e sorriu.
– Obrigada pelo elogio. Vou colocar meu pijama, se importa de me ver de calcinha e sutiã? – Ela perguntou e neguei com um gesto.
Então ela tirou seu vestido, saiu do salto alto, tirou suas joias e pegou seu pijama.
– Ela é linda.
– Gostou da Paloma?
– Gostei, ela é engraçada, mas não me refiro a ela. Falo da Priscila, digo, a Paloma é linda! Mas a Priscila parecia uma verdadeira princesa e vocês duas juntas, são tão lindas. São um casal lindo.
– Não somos um casal.
– Serão, um dia serão… Você me confessou gostar dela e hoje eu vi o jeito que ela te olha, ela gosta muito de você.
– Não gosta o suficiente.
– Como sabe?
– Eu praticamente implorei para ela, para que ficássemos juntas… Ela jogou um monte de empecilhos e eu realmente concordo com todos, mas eu disse que iria lutar, eu disse que enquanto as duas quisessem, nós duas ficaríamos juntas. Mas ela disse que não sabia. Que não sabia.
– São empecilhos bem sérios, suponho alguns, racismo, homofobia, desigualdade social… Você é a princesa maior, a filha mais velha do rei, a sucessora dele no trono. E ela não tem berço real! Para mim e para você isso não conta, mas para nosso pai… Para alguns monarcas, isso é de suma importância. – Ela me encarou séria. – Acho que joguei um balde de agua fria maior, não é mesmo?
– Tudo bem.
– Mas vocês não vão se ver mais?
– Dependerá dela.
– O que sente?
– No momento, tristeza, vergonha e vontade de chorar.
– Vergonha porquê?
– Porque eu praticamente implorei para ficarmos juntas, eu planejei tudo na minha cabeça, levei-a na estufa mais linda… Dancei a música real com ela. Nos beijamos. Nos declaramos e quando introduzi a proposta. Recebi um não sei.
– Vocês dançaram a valsa real? – Fiquei espantada, ela apenas afirmou com um gesto. – Deve ter sido um momento lindo… Colocou a tradicional ou uma música famosa ao som de valsa real?
– Stay with me, do Sam Smith.
– Essa música é linda. Irmã, se aproxime. – Assim ela fez. – Eu vi a mesma tristeza que há nos seus olhos, nos olhos dela. Não pense que ela não está nem aÍ para você, porque eu sinto que não é verdade. Deixe ela pensar, se for um sim, será um ato corajoso de ambas as partes.
– É.
– Vai procura-la? Falar com ela?
– Não, vou ficar na minha. Ela tem meu whatsapp, meu e-mail. Quando ela quiser, se quiser, entrará em contato.
– Não se feche… Por favor.
– Vou tentar.
– Dessa vez será diferente. – Sorri animada. – Prometo. Agora descanse, se cuide.
– Se cuide também e tente dormir. – Ela disse enquanto eu saia de seu quarto. – Princesa. – Ela me chamou e me virei. Ela sorriu e se curvou delicadamente. – Obrigada pelo apoio, princesa Carolina.
– Nada que você já não tenha feito inúmeras vezes por mim, princesa Maria. – Me curvei para ela e sai.
Deitada em minha cama, olhando para o teto, não consigo para de pensar em minha irmã, ela está triste… Infelizmente triste como eu já vi.
Maria teve uma criação bem diferente da minha, mesmo sendo irmãs de pai e mãe.
Ela tem vinte e três e eu acabo de fazer quinze. Quando era criança, me lembro de um episódio em que quebrei um vaso muito caro e antigo no escritório do meu pai.
Chorei e chorei pois sabia que meu pai ficaria bravo, mas ela me pegou no colo, tinha três anos na época e ela dez anos, me acalmou brincou comigo e jurou que papai não brigaria comigo.
Quando ele chegou de viagem, ela foi falar com ele, assumiu a culpa de ter quebrado o vaso, ter entrado no escritório real sem permissão e quebrado o vaso.
Meu pai não esperou nenhum segundo, deu um tapa na cara dela tão forte que só de lembrar me dá arrepios, então dona Zila, mãe de Carlos, e minha babá se intrometeu e contou a verdade, que não tinha sido Maria, que tinha sido eu.
Então meu pai se aproximou de Maria com toda calma, e lhe deu mais um tapa bem forte. Minha mãe intercedeu e não entendeu porque ele continuou deferindo tapas em minha irmã.
“ Ela tem que aprender que não se pode levar culpa pelos outros! Que não pode ter responsabilidade pelos os outros. Maria ficará de castigo! ’’
Então ela ficou de castigo pelo vaso que quebrei durante três meses.
Ela nunca, nunca me xingou por isso, nunca me cobrou nada.
E meu pai, assim que Maria saiu amparada por Zila, meu pai se aproximou e me abraçou me erguendo nos braços e brincando comigo pedindo para não entrar mais na sala do papai.
Naquela época eu não entendia bem a diferença, mas conforme os anos foram passando, e eu fui conversando com Zila, eu fui tomando consciência das coisas.
Minha irmã foi criada com a família até os onze anos de idade, meu pai exigiu que ela fosse estudar na Croácia, de uma hora para outra, então por lá ela ficou, voltou somente ano passado. Nem no Natal, aniversário dela ou qualquer outra data ela tinha autorização do meu pai para nos visitar. Falar de Maria aqui em casa, antes dela voltar, era como falar algo proibido.
Conversamos muito pela internet enquanto ela estava lá.
Já eu, sempre frequentei as melhores escolas do Rio de Janeiro. Sempre tive amiguinhos e esse tipo de coisa. Ela não.
Maria tinha o sonho desde pequena de ser da guarda real, desde pequena brincava por aí com o Carlos de lutinha, de espada com cabos de vassouras e vivia jogando bola.
Papai bateu inúmeras vezes nela porque ela deveria estar em aulas de artesanato e crochê.
Meu pai brinca comigo, é gentil, mas, com ela ele é duro… Ditador. Exige sempre excelência vinda da parte dela, ela não pode errar, ela não pode falhar no gestual, ela pouco aparece. Ele tem um sentimento de posse, ciúmes dela. É algo que hoje em dia, conforme vou tomando consciência vejo o quão triste é essa situação e como triste ela é.
Até seus cursos superiores ela fez na Croácia, e assim, apesar da idade ela é formada em Relações Internacionais, Políticas Públicas e começou agora a fazer Direito, esse último curso ela está fazendo online, apenas indo para a Croácia fazer as provas.
Nunca vi meu pai e ela sorrindo, brincando juntos… Ela tem um receio dele. E ele parece preferir manter distância.
Ele não a chama de filha em privado, e eu, em quinze anos nunca vi ela o chamar de pai, apenas de rei.
Minha mãe, é carinhosa com minha irmã… Mas, morreria defendendo meu pai, sendo assim, acho que é por isso que Maria nunca a questionou do porquê.
“ Porque você deixou ele me tirar de você para um país que eu nem sabia a língua local?”
“ Porque você não entrou na minha frente como Zila fez inúmeras vezes, para ele não me bater mais?”
“ Porque nunca me defendeu? ”
Nossa, são tantos porquês que eu teria no lugar de Maria. Mas, talvez ela não faça as perguntas, porque já tenha as respostas.
POV PRISCILA.
– Então foi isso que aconteceu. – Eu disse limpando as lágrimas do meu rosto quando terminei de contar o que aconteceu naquela estufa.
– Do céu ao inferno… Miga, tem certeza que você não sabe? – Paloma se sentou ao meu lado na cama.
– Sei que gosto dela, mas eu não sei se eu aguentaria tanta pressão!
– E como vocês ficaram?
– Não sei, não quero perder o contato com ela. Mas, não tenho coragem de mandar mensagem.
– Calma, espera, uma hora a coragem vem… Está amanhecendo o dia, precisamos descansar. Tenta dormir, miga. Vai dar tudo certo.
Duas semanas depois.
Ela não me procurou, tenho buscado notícias da família real, tentando encontra-la. Ver uma foto que seja, sinto tanto a sua falta.
Saudade é algo cruel, algo que dói… Desisti de lutar.
Eu: Oi…
– Demorou um pouco mas, ela respondeu.
Maria: Olá, tudo bem?
Eu: Sim, e com você?
Maria: Vou bem.
Eu: O que anda fazendo? Faz tempo que não nos vemos
Maria: Verdade. Bom, estudando muito… Cumprindo a agenda real, indo em ONG’s, esse tipo de coisa.
Eu: Entendo.
Maria: E você?
Eu: Só trabalhando… Maria, queria te perguntar uma coisa.
Maria: Diga.
Eu: Meu aniversário é daqui a dois dias, na quinta-feira… Eu consegui folga no dia e meus pais também, então vamos fazer uma feijoada para comemorar, aqui em casa mesmo. Só meus pais, meus irmãos e eu… Eu queria que você viesse.
Maria: Sério?
Eu: Sim, mas, se não der, eu vou entender. Eu moro em uma comunidade e para você entrar sem ser percebida vai ser complicado e como imagino que seu pai não gostaria de saber que veio em uma comunidade, eu vou entender se não puder.
Maria: Irei com maior prazer, fico feliz com o convite e agradecida. E gosto de feijoada.
Eu: Ótimo! Vou falar para meus pais que uma amiga minha virá, na verdade melhor falar que meus amigos virão, provavelmente Carlos fará sua escolta não é mesmo?
Maria: Sim, sempre é ele. Então que horas é para estar na sua casa?
Eu: Ao meio dia está um bom horário para você?
Maria: Sim, está. Me passa o endereço certinho, por favor, sei que Carlos já te levou em casa algumas vezes, mas, é melhor eu dar o endereço para não ter erro.
Eu: Está bem.
Eu estou tremendo, ela virá! Vou falar com meus pais, mas, não vou falar quem ela realmente é, se não minha mãe vai querer reconstruir nossa casa em dois dias e comprar moveis novos, toalhas de mesas novas e talheres de prata.
Eles vão surtar, então é melhor ficar na minha e bom, ter certeza que ela virá.
Acho que só vou acreditar quando vê-la entrando por aquela porta.
Continua…