A PRINCESA – PARTE 06

Dois dias depois.

– Minha filha, cadê sua amiga? – Minha mãe perguntou enquanto cortava as carnes na cozinha.

– Ela chega daqui a pouco mãe, falei para ela vir ao meio dia.

– Tá bom, qual o nome dela mesmo?

– Maria mamãe. – Fabiana respondeu minha mãe por mim.

– Bem lembrado… Maria e o seu outro amigo é o Carlos.

– Exatamente.

– São do supermercado?

– Não, os conheci em um evento.

E meio dia em ponto, a campainha tocou, minha família toda em cima da casa, na laje escutando samba, tomando guaraná e cerveja com tira gosto enquanto a feijoada ficava pronta. E eu aqui, tremendo de ansiedade.

A campainha tocou mais uma vez. Abri rapidamente a porta e lá estava ela.

– Oi, entra por favor. – Eu disse toda nervosa, ela sorriu e entrou acompanhada de Carlos. – Oi, Carlos. Tudo bem?

– Sim, Priscila, feliz aniversário. – Ele me abraçou vermelho de vergonha.

– Obrigada.

– Que Deus te abençoe com muita saúde, muita paz e muita alegria na vida.

– Amém. – Ele me entregou uma sacola de presente. – Meu Deus, Carlos, não precisava gastar comigo… Nossa que lindo! Amei de verdade, eu estava precisando de uma sapatilha.

– Feliz que tenha gostado.

– Sim, muito. – Calcei meu presente. – E serviu direitinho, está superconfortável, muito obrigada. – Percebi Maria me observando. – Não é lindo, Maria?

– Sim, Carlos tem bom gosto, sempre me dá ótimos presentes. – Ela se aproximou com um outro pacote. – Esse é meu presente para você. – Me entregou. – Feliz aniversário, Priscila.

– Juro que não precisava de presentes, você aqui. Digo, vocês aqui já é um baita presente.

– Espero que goste. – Abri a sacola e quase que precisei sentar em meu sofá, era uma caixa da apple. E quando abri, o iPhone. – Gostou?

– Você me deu… Tá me dando um iPhone?

– Sim, pensei em algo que seria útil para você, seu celular estava com a tela trincada quando anotei meu número… Não gostou? Olha, se quiser pode trocar.



– Eu amei! É que isso é muito caro, eu nunca mexi em um iPhone. Não faço a mínima noção de como se usa!

– Ah, que bom que gostou… Se quiser, mais tarde eu te ensino algumas coisas.

– Será ótimo. Quero sim. Obrigada. – Me pendurei em sua nuca dando vários beijos em sua bochecha e abraçando-a bem forte. – Desculpa, me empolguei.

– Tudo bem, sinal de que gostou do presente.


– Sim, muito. Aguardem aqui por favor, eu vou colocar as coisas no meu quarto. Depois eu levo vocês para um tour na minha casa. Não será nada demorado porque são poucos cômodos. – Saí correndo para o quarto guardando meus presentes. – Vem comigo, a escada é um pouco estreita mas dá para subir. Vamos para laje minha família está lá.

Eles me seguiram em silêncio.

– Mamãe, papai… Maninhos, minhas visitas chegaram. – Os quatro ficaram olhando para minha cara. – Por favor, tentem tratar isso com naturalidade.

– Como assim, menina? Porque está dizendo isso? – Meu pai questionou brincando comigo. Então saí da frente falei para os dois entrarem, e quando eles viram a princesa, arregalaram os olhos e se curvaram. – MEU DEUS, A PRINCESA!

– Princesa. – Os quatro se curvaram diante dela.

– Olá. – Ela se aproximou. – Por favor, não precisam se curvar… Tudo bem com o senhor? – Maria estendeu a mão para meu pai.

– Tá… Tá tudo bem. – Meu pai estava impressionado, e foi tomado por um abraço forte dela.

– Muito prazer em conhece-lo, senhor Jair, sua filha me fala muito de vocês… A senhora deve ser a dona Denise, acertei?

– Sim, majestade.

– Parem com essa formalidade. – Ela pegou na mão da minha mãe, que já aproveitou e abraçou-a apertado. – Isso, prefiro um abraço do que cumprimentos reais. – Maria disse rindo. – Espero não ter dado trabalho para vocês, de cozinhar para mais gente.

– Imagina, eu fiz feijoada porque é o prato predileto da Priscila, mas, se eu soubesse que era você… Pode chamar de você? – Minha mãe perguntou, Maria afirmou com um gesto. – Então, se eu soubesse que era você, nossa senhora tinha contratado um buffet.

– Que besteira, eu amo feijoada, faz tempo que não como. Oi… Você é a Fabiana e você o Fernando?

– Sim. – Os dois responderam juntos.

– Prazer em conhecer vocês.

– Você é linda princesa, mais linda que na TV e nas fotos.

– Serio? Ótimo! Que mais pessoas pensem como você, Fabiana… Mas, olha, você também é linda… E você também, Fernando.

– É que somos gêmeos. – Ele disse sério isso. Não aguentamos, caímos na risada. – Quando eu fizer dezoito anos, princesa, eu vou me alistar para a guarda real.

– Sério? Irá me proteger então?

– Sim, irei.

– Estarei bem segura não é mesmo, Carlos?

– Sim, princesa.

– Sabe quem é ele? – O menino negou em um gesto. – Meu melhor amigo… E também meu segurança. Ele é da guarda real.

– Que legal!

– Sim, é muito legal, depois conversa com o Carlos ele te dará algumas dicas, ok?

– Ok! Obrigado, princesa.

– Pode me chamar pelo nome, está bem? Todos vocês… Esqueçam que eu sou da família real, esqueçam essas formalidades. Hoje eu vim para comemorar o aniversário da minha amiga. – Maria disse fazendo todos sorrirem menos a mim. Ela me chamou de amiga.

Sei que depois teria que explicar para eles como eu conheço a princesa do Brasil, e não sei se realmente falaria a verdade.

Carlos e Fernando se grudaram, e estavam se dando muito bem.

Maria engatou um papo com meus pais e eu só fiquei admirando, pensando que um dia, quem sabe, essa visão seria um jantar em família?


Para minha surpresa, já era quatro da tarde e Maria não mencionou que precisava ir embora.

– Vem comigo? – Chamei-a

– Claro. Carlos, estou com Maria, fique despreocupado.

– Sim, ficarei conversando com meu mais novo amigo aqui.

– Entra, esse é meu quarto.

– Nossa, quantos livros.

– Eu gosto de ler, sei que você também.

– Sim, muito… Leitura para mim serviu como válvula de escape por muito tempo. Quer que eu lhe ensine a mexer no celular?

– Pode ser depois? Ou em breve você terá que ir?

– Tenho tempo.

– Então está bem… Legal. – Eu planejei, eu pensei mil e uma vezes antes de chamá-la para meu quarto, e agora que ela está aqui. Não sei o que falar.

– Está tudo bem?

– Feijoada é pesada, meus pais foram tirar um cochilo… Fabiana também, porque ela ama dormir… Não quer descansar um pouco? Minha cama é de solteiro mas, acho que cabe nós duas.

– Admito que quero sim, mas a feijoada da sua mãe é a melhor que já comi em toda minha vida.

– Que bom que gostou… Você quer deitar do lado da parede ou do lado de cá?

– Acho que do lado de cá mesmo.

– Ok. – Me deitei encostando no fundo da parede, ela tirou seu sapato e se deitou. – Está confortável?

– Sim e você?

– Sim… Nunca tinha te visto de calça jeans e tênis.

– Pois é, meu look predileto.

– Está linda.

– Obrigada… Priscila, está tudo bem mesmo? Estou te achando diferente. – Ela disse e então suspirei. – Bom, como estamos de conchinha eu não consigo ver seu rosto mas, esse suspiro condenou que realmente tem alguma coisa acontecendo.

– Você me considera sua amiga?

– Claro. Se não, não estaria aqui.

– Não, não foi nesse sentido. Eu, para você, sou só amiga? – Ela suspirou e se virou ficando com o rosto colado ao meu.

– Não, para mim você é mais… Mas, vou te tratar somente como amiga. Te incomoda? – Afirmei com um gesto. – A mim também, mas é o único modo de ficarmos próximas uma da outra.


– Maria… – Fui me aproximando de sua boca.

– Não faz isso, por favor. Não está sendo fácil para mim também e se você fizer para depois dizer que não tem certeza se quer, se consegue aguentar as coisas que vão acontecer. Por favor, não faça isso.

– Aquela noite na estufa, não doeu só em você. Acredite, as vezes dizer é pior do que ouvir.

– Pode ser que seja, mas, acho que pior do que dizer ou ouvir, é sentir e não poder sentir.

– Em algum momento, depois da nossa conversa você desejou não sentir nada por mim?

– Não… Eu gosto, eu gosto realmente do que sinto por você.

– Eu também. – Fiz um carinho em seu rosto. – Desculpa por ser uma covarde.

– No fundo todos são, não se martirize por isso.

– Não entenda como posse mas, eu, quero… Eu preciso te ver mais, falar mais com você, eu quase surtei sem você essas semanas.

– Eu também, mas, eu prometi a mim mesma não te procurar. Mas, saiba que quando quiser me ver, me fale que farei o possível. – Maria disse com os olhos cheios de lágrimas, então se virou.

– Você. – Abracei-a apertado. – Você foi o meu melhor presente de aniversário. Juro. – Dei um beijo em sua nuca que se arrepiou. Ela se aconchegou mais em meus braços e beijou minha mão.

Três semanas depois.

Desde o dia do meu aniversário, Maria e eu nos falamos diariamente, trocamos e-mail o tempo todo. Meu e-mail virou um whatsapp, praticamente.

Por mais que tenha instalado o aplicativo, ela prefere atraves do e-mail que ela fez enquanto morava na Croácia, esse o rei não tem conhecimento e não consegue rastrear o IP por ser domínio de outro país. É um e-mail complicado e difícil de digitar… Mas, ela sempre diz que é mais seguro.

Dentre essas conversas, percebemos que, não sabemos como ainda, mas no fundo existe um filtro de informações. As princesas e talvez mesmo até a rainha não sabe exatamente quais são as ações do rei e quais as verdadeiras repercussões.

Então todos os dias, entro em sites de políticas e variedades e tiro foto ou copio o link e envio para ela.

Desde então, ela vem descobrindo bastante coisas… Como o fato do pai dela pintar de cinza todos os muros pichados por artistas de rua em São Paulo e aqui.

Descobriu que mais da metade da cúpula de conselheiros do rei, é comandada por evangélicos fanáticos que não sabem separar religião do seu trabalho.

Descobriu da fome, que assola boa parte do nosso nordeste e outras regiões.
Descobriu que a nossa polícia é corrupta e que comete muitos mais erros do que acertos.

Maria descobriu que vivemos em um país com qualidade de vida péssima para a maioria.

Lamento tanto por, no fundo, ser portadora das más notícias. Mas, se ela quer que assim seja, que seja assim então.


POV MARIA

Um país corrupto, cheio de injustiça e roubo… Fome, falta de ensino qualificado, e que segurança de merda que o povo tem, uma segurança que não protege.

E tudo graças ao rei…

Priscila acabou de me mandar a notícia do dia, sobre a Casa 1.

Casa 1 é um projeto, um centro de acolhimento de LGBTs expulsos de Casa e um Centro Cultural na região central de São Paulo, surgiu em 2015 para abrir as portas do apartamento de seu criador para receber LGBTs que haviam sido expulsos de suas residências. Aberto no dia 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade, o sobrado é a residência de 12 moradores em uma republica acolhedora e composta de salão de exposição, sala de cursos, palestras e workshops e uma biblioteca aberta ao público.

Pelo menos era, pois o rei ordenou que se fechasse a Casa 1 e demais semelhantes projetos, e que se não for acatado de maneira pacífica, haverá confronto.

Como ele pode? Como ele consegue? Chega, para mim, não dá mais.

Me dirigi até a cúpula de ordem que fica próxima ao palácio, onde o rei se encontra toda quarta com aquela corja de ladrão.

Esperei muito, pelo fim da reunião e não fui atendida. Sim, ele não me atendeu.

Mas, se caso ele acha que ficará livre de conversar comigo, está muito enganado, ele vai me ouvir.

– Gostaria de falar com você… Mas acho que sabe disso. – Ele estava na sala de estar com minha irmã e minha mãe.

– Você? Me chamou de você? Mais respeito comigo, menina!

– Respeito? Sabe o significado dessa palavra, rei?

– Filha, calma, o que está acontecendo? – Minha mãe interferiu.

– Tire minha irmã daqui, por favor.

– Não quero sair, quero saber o que está acontecendo. – Carolina protestou.

– Carolina, minha filha, va para o seu quarto, por favor. – Ele abraçou e beijou sua testa. – Eu te amo.

Assim que minha irmã saiu, a sua fisionomia mudou.

– O que você quer? Com quem acha que está falando?

– Com um rei! Quer que lhe chame assim? Chamo! Com um rei que não dá o que seu povo precisa! Que é injusto!

– Como ousa falar assim de mim!

– Como ousa fazer isso com o seu povo! – Joguei na direção dele uma pasta que eu mesma fiz, com todas as reais notícias. – Deve gastar muito dinheiro ludibriando a internet que usamos aqui… Talvez, pagando as pessoas para quando nos verem, não nos contar a verdade. – Ele lia o conteúdo da pasta, com o rosto totalmente vermelho.

– Isso é mentira, não é Leopoldo? – Minha mãe questionou e ele ficou calado.

– O que você quer?

– Quero o que é meu por direito. Vossa excelência me fez estudar tanto, pois bem. Quero um lugar de destaque na cúpula de governantes, quero ter voz, quero ser ouvida. Quero ter autonomia.

– Está louca?

– Não sou eu que comando esse país, só um rei louco poderia deixar as coisas do jeito que estão.

– Já te disse para ter mais respeito comigo, menina! Se não eu…


– Se não o que? Vai me bater? Me espancar? Se encostar um dedo sequer em mim, eu faço um escândalo…Eu não tenho mais onze anos. – Disse firme fazendo minha mãe ficar assustada. E ele vermelho de ódio, talvez porque eu mencionei meus onze anos.

– Sua vadia! – Ele veio em minha direção com fúria.

– Leopoldo, não. – Minha mãe surgiu no meio do caminho.

– Deixe ele, mãe… Vamos Leopoldo, me bata! Isso vai diminuir a vergonha que está sentindo? Vai diminuir a raiva? Vai diminuir sua incompetência? Porque isso me interessa, porque só um rei muito incompetente para fazer as merdas que está fazendo.

– É proibido falar palavrões aqui.

– Só isso é proibido? Porque outras coisas, eu sei que não são… Sabe rei, a vantagem de ser sempre excluída dos jantares e almoços com você ou qualquer coisa que tenha você… É que me tornei invisível. E quando se é invisível, se vê muita coisa. E eu vi muita coisa por esses corredores, e cômodos escondidos. E aos meus onze anos eu passei muita coisa aqui.

– Isso é uma ameaça?

– Vou dançar conforme a música, seja gentil, eu serei… Mas se não, depois não exija o mesmo de mim. Terá um dia para pensar, e exijo que não se esconda atrás de decretos, cartinhas ou recados. Quero olhar na sua cara ao me responder… Com licença, majestade. – Me curvei em sua direção, sem tirar os olhos dos dele. – Com licença, boa noite, minha mãe.

Saí sem olhar para trás, me tranquei em meu quarto.

Sei que não vou dormir, vou aguardar a resposta.

 

 

Continua…

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