No dia seguinte.
Acordei com apitos de e-mail no meu celular, era Priscila.
“ O que você está pensando em fazer? Meu Deus, isso é real?”
Quando cliquei na imagem era uma foto minha, com o título.
“ A PRINCESA NA CUPULA, PRINCESA MARIA SE JUNTARÁ AOS DEMAIS GOVERNANTES DE CUPULA E AO REI PARA DECIDIR PELO NOSSO PAÍS… ATENÇÃO MULHERES, PROVAVELMENTE A PRINCESA MUDARÁ O RAMO DOS COSMETICOS. ’’
Uma manchete publicada na revista Época, praticamente me difamando, mas eu não me importo, ele não precisou de vinte e quatro horas para me dar uma resposta, ele foi esperto. Fez o que precisava ser feito para não ser desmascarado, pelo menos aqui em casa. Afinal o povo já sabe o monstro que ele é, melhor dizendo… Sabe bem quem ele é, acho que o real significado da palavra monstro, só eu conheço.
Pri: É sério isso?
Eu: Sim, menos a parte que vou até lá para falar de moda e beleza.
Pri: Meu Deus, você tem certeza?
Eu: Sim, está na hora de fazer algo pelo meu povo.
Pri: …
Eu: O que significa os três pontos? Digo, eu sei o que eles significam, mas porque colocou isso?
Pri: Fiquei sem palavras, sua fala me impressiona. Falou como uma verdadeira rainha.
Eu: Posso te fazer uma pergunta?
Pri: Sim!
Eu: Sei que já namorou sério algumas vezes, definitivamente teve mais experiências nesta questão… Queria saber se você já se apaixonou por alguém, ao ponto de mudar sua vida?
Pri: Está acontecendo isso comigo, só não consigo fazer nada na prática.
Eu: … Preciso ir, nos falamos a noite… Salve todas as manchetes, e me mande depois se puder.
Pri: Claro e parabéns pela conquista.
Eu: Obrigada.
POV PRISCILA
Dois meses depois.
Dia normal, tudo como sempre, acordar mais cedo para conseguir chegar a tempo no trabalho.
Trabalhar muito
Escutar piadinhas sobre a minha cor, sobre meu cabelo e constantes olhadas e falas de homens sem caráter.
A vida continua boa, apesar de tudo. Mas sinto falta da Maria.
Nos falamos quase todos os dias, mas a agenda dela está muito cheia.
Ela tem trabalhado muito e em dois meses tem feito as pessoas que acharam que ela estaria lá só para passar o tempo, calar a boca.
Ela reimplantou o projeto da Casa 1 e fez uma parceria com a associação se comprometendo a ajuda-los a criar mais e mais casas por todo o país.
Ela trouxe o BRT para as capitais do país. O projeto de Bus Rapid Transit and System é constituído de quatro corredores com BRTs de duas composições. Está em andamento, mas o projeto já foi aprovado e estão construindo vias expressas, sendo assim, o transporte ficará bem mais rápido e fácil de se pegar… E vai desafogar um pouco ou muito a superlotação em ônibus e metrôs.
Não é porque gosto dela, mas, ela tem feito mais do que muitos que estão ali por anos.
A maior novidade que tenho é que Paloma está ficando com o Carlos, pois é. E tem gostado de sair com ele… Eles formam um casal lindo.
Falando em casal, Adriana, uma moça que trabalha no caixa do supermercado, tem tentado sair comigo.
Eu realmente não sei como lidar com essa situação… Eu gosto dela, mas não ao ponto. Não do mesmo jeito que gosto de Maria.
As vezes acho que preciso sair, que será bom. Que está faltando somente isso para quem sabe esquecer Maria, afinal, nós duas somos de mundo diferentes.
Falando nela, ela deu uma bolsa para meu irmão, quando completar dezoito anos, e se ele ainda quiser e tiver o sonho de ser um guarda real, ele poderá fazer o curso. Esse curso é extremamente caro e meu irmão até chorou tadinho.
Ela não me disse nada, apenas ligou para meus pais e deu a notícia pois sabia que hoje era aniversário dos gêmeos. E para minha irmã, ela deu uma bolsa de estudos na faculdade do Rio de Janeiro para o curso que ela escolher.
Maria tem mais do que um título, ela tem um coração nobre.
Três semanas depois.
Aniversário da Paloma, vamos comemorar em uma roda de samba na Lapa.
Ela chamou uma turma, e é claro o Carlos que pelo visto conseguiu uma folga e irá também.
Convidei Adriana para ir comigo, não sei se fiz bem. Mas convidei e ela aceitou.
Em nenhum momento, comentei sobre isso e isso está me consumindo.
Eu: Preciso falar com você.
Maria: Oi, diga.
Eu: Eu preciso de uma ligação… Eu realmente preciso falar de voz com você.
Maria: Está bem, vou te ligar.
O telefone não demorou muito para tocar.
– Oi, aconteceu alguma coisa? – Ela perguntou preocupada
– Não sei…
– Ok, fala comigo.
– Hoje é aniversário da Paloma.
– Eu sei, Carlos até me pediu folga hoje… Dei folga para ela de hoje a amanhã.
– Legal, eu vou na festa.
– Imaginei que sim, são melhores amigas.
– Maria, eu vou acompanhada. – Falei de uma vez só, naquele momento sua respiração nem podia ser ouvida, nem a minha. Eu não sei o que fazer, não sei se espero ela dizer algo, ou se já falo tudo o que tenho para falar. Eu vou falar. – Ela chama Adriana, trabalha no mesmo supermercado que eu, só que no caixa… Mora aqui na comunidade e ela já vinha me chamando para sair algumas vezes eu não aceitei antes, a gente nem ficou eu… Por favor fala alguma coisa.
– Ela é legal com você? – Sua voz saiu mais grave.
– Sim. – Uma vontade de chorar surgiu. Ela poderia gritar, chorar, fazer um escândalo, mas a única coisa que ela me perguntou foi isso. Até nessa hora ela demonstrou preocupação.
– Ela é uma pessoa do bem?
– Uhum – Eu não conseguia falar mais.
– Então, será uma noite agradável… Priscila você sabe de tudo, você sabe bem.
– Sim, eu sei, eu estou me sentindo mal por estar saindo com outra pessoa, eu não fiquei com ninguém depois de você.
– Priscila, olha eu não quero que perca tudo o que outra pessoa poderia lhe dar. – Sua voz estava pesada, não se transmitia raiva. Não me transmitia nada além de tristeza. Comecei a chorar escancaradamente, como um bebê – Não chore, sei que está linda, quero se divirta. Deseja falar mais alguma coisa?
– Não consigo. – Sussurrei, sei que ela estava me tratando da melhor forma possível, mas sei que ouvir isso machucou-a.
– Boa noite, depois nos falamos… Só não beba muito. –Quando achei que ela iria desligar, ela falou novamente. – Priscila, Adriana é uma mulher de sorte. – Então ela desligou.
Caí no choro e só parei quando minha mãe entrou no quarto.
Eu nunca contei o real modo como conheci Maria, nunca contei que já tínhamos ficado. Não por medo, mas por não contar.
Até que contei toda a história, minha mãe sempre foi MÃE com letras maiúsculas mesmo, aquele tipo de mãe que ama o filho e quando eu contei que gostava de meninas, eu tinha a idade dos meus irmãos e tanto ela quanto meu pai me amaram da mesma forma.
Tivemos uma conversa franca, e como eu podia imaginar, ela torce para que um dia eu e Maria fiquemos juntas, mas que também entende essa minha tentativa de gostar de outra pessoa.
Maria é simples de lidar. Mas, não é nada simples o que vem com ela. Reinado, politica, monarquia, formalidade… Vida pública.
Fui para Lapa, e lá encontrei o resto do pessoal, inclusive a Adriana.
– Meu Deus, você está linda, amiga! – Paloma veio correndo me abraçar.
– Obrigada! Feliz aniversário, miga. – Dei um beijo em sua bochecha. – Oi, gente.
– Oi. – Todos responderam em coro.
– Oi, Priscila. – Adriana se aproximou me dando um beijo na bochecha.
– Oi, Adriana. Tudo bem?
– Sim, tudo ótimo… Adorei sua saia, você está incrível.
– Vai ter que ficar de olho nela hoje, hein Adriana?
– Opa, pode deixar, acho que meus olhos nem querem olhar para outro lugar que não seja para a Pri. – Todos riram e eu fiquei super envergonhada.
– Miga, seus olhos estão vermelhos ou você usou drogas ou você chorou e eu sei que não é a primeira opção. – Paloma sussurrou no meu ouvido.
– Acertou, mas não quero falar sobre.
– Nem precisa, eu sei o porque… Já que você não pode lidar com o peso de tudo, dê uma chance para Adriana.
Entramos no local e estava como sempre, cheio, mas ótimo. A noite seguia até bem… Fazia tempo que não dançava tanto assim. Me acabei.
– Você samba muito. – Adriana se aproximou por trás pegando em minha cintura.
– Ah, cresci em meio a roda de samba e pagode.
– Estava pensando em sairmos depois daqui, só eu e você.
– Bom, eu não tenho nada para fazer depois daqui. – Falei na tentativa de tentar me animar e realmente dar uma chance, mas, por dentro sem entusiasmo algum. – Podemos ficar conversando na porta da minha casa.
– Perfeito.
Horas depois, eu estava com Adriana sentada em seu carro em frente a minha casa. O papo dela é muito bom, ela é linda e a companhia é agradável, mas não é a Maria… Eu não olho para o lado e vejo a pessoa que eu queria estar.
Ela me beijou e juro que me esforcei para corresponder, mas não deu. Eu pertenço a Maria, desde que coloquei meus olhos nela.
– Desculpa, mas não dá. – Me afastei.
– Porque não? A noite foi tão bacana, vamos para minha casa, eu moro sozinha.
– Não, eu realmente não posso fazer isso.
– Eu fiz algo errado? Foi a mordida que dei no seu lábio? Ah, não me diga que estou com bafo?
– Não, não é nada disso. Você é incrível beija bem e não tem bafo…Mas é que meu coração já tem alguém. Eu não consigo tirar ela da minha cabeça. – Abri a porta do carro. – Espero que não fique chateada, ou se sentindo usada. Mas, não vai rolar. Obrigada pela companhia.
Entrei em casa correndo, chorando e liguei para Maria. Celular desligado, tentei quase trinta vezes e desisti, indo dormir.
Na manhã seguinte, minha mãe veio conversar, saber como foi e eu contei tudo para ela.
Ela ficou feliz em perceber que eu tomei consciência de que não podemos forçar nada.
– Alô, Priscila?
– Isso, oi Carlos sou eu, tudo bem?
– Está sim, aconteceu algo?
– Desculpa te ligar essa hora, imagino que você esteja com a Paloma.
– Sim, estou com ela, ela está dormindo… Ela dorme muito.
– Já vi que a noite foi boa. – Dei uma risada.
– E a sua, foi boa?
– Mais ou menos, foi boa para me tocar de algumas coisas… Mas, não aconteceu nada entre eu e a Adriana.
– Entendo.
– Mas, te liguei porque já liguei umas cinquenta vezes para Maria e ela não atende, só dá caixa postal.
– Ela viajou para a África, vai ficar uma semana em um trabalho voluntário. E nessas viagens ela deixa o celular dela desligado e escondido para o rei não tentar mexer.
– Ah, entendi… Bom, então só vou te pedir para me avisar quando ela chegar, eu preciso muito falar com ela.
– Claro, Priscila. Pode deixar que te aviso.
– Obrigada e bom dia para vocês ai.
– Obrigado.
Os dias passam lentamente, vi algumas fotos dela na África, falando com as pessoas de lá, brincando com as crianças… Sinto tanta saudades de ouvir a voz dela. Já teve momento em que uma música faz sentido, parece que foi feita para você e você começa a ouvir repetidas vezes ao dia?
Eu estou assim, eu amo pagode, eu amo Sorriso Maroto… Mas essa música Chave e Cadeado. Como dizem por ai, só sei sentir.
“Coitado desse cara aí
Tá procurando abrigo em lugar ocupado
Conta pra ele que é louca por mim
Que, do seu coração, eu tenha a chave e o cadeado
E eu deixei trancado”
Maria deixou tudo tão trancado dentro de mim, e sem esforço algum, ela só foi ela mesma e eu me apaixonei… Perdidamente.
POV MARIA
Assim que pisei de volta ao Brasil, Carlos estava a minha espera.
– E ai Carlos, como está?
– Estou bem princesa, obrigado por perguntar.
– E Paloma e você?
– Eu estou apaixonado, adoro o jeitinho dela… Ela é tão informal.
– Totalmente diferente de você, mas isso é bom os opostos se atraem.
– E como foi a viagem?
– Foi boa, o povo é muito acolhedor… Oferecem sempre o mínimo que tem, e tem tanta esperança no olhar daquelas pessoas. Vontade de cuidar de todos, sabe?
– Será uma ótima rainha, quando isso acontecer.
– Espero que demore, não me vejo preparada.
– Princesa…
– Sim.
– Priscila me ligou na manhã da sua viagem, dizendo que precisava falar com você, pedindo para avisá-la assim que você chegasse.
– Obrigada por avisar, mas não quero… Eu preciso dar um jeito de lidar com isso. Ela tomou suas providências, está conhecendo outra pessoa. Eu não quero conhecer ninguém, eu não quero sair de casa. Queria sei lá, sumir.
– Ela não está com a moça, até foi com ela no aniversário mas, não se deram bem.
– Estarei mentindo se não disser que não torci para darem errado. Mas, Carlos eu estou tão perdida.
– Se me permite dizer, a senhorita está perdidamente apaixonada. E magoada, é natural, ela saiu com outra pessoa. Fez isso, inclusive para lhe esquecer. Acho que quando uma pessoa se presta a isso, para esquecer alguém é porque sabe, que esquecer com o tempo não irá.
– Você está romântico, meu amigo.
– Só quero lhe ver feliz. Fale com ela, nem que seja a última conversa.
Cheguei em casa, entrei no quarto. Tomei um banho demorado, desfiz minhas malas e liguei meu celular. Mais de cem ligações só dela. Fiquei bastante surpresa. Resolvi retornar.
– Alô?
– Oi! Tudo bem? – Ela perguntou animada.
– Sim e você?
– Bem, como foi sua viagem? Vi algumas fotos suas em sites, que legal que você foi.
– Foi uma viagem boa… Vi suas ligações e Carlos me disse que você estava à minha procura
– Sim, desculpa ter ligado tanto, mesmo depois que ele me disse da viagem, eu continuei ligando e ligando.
– Sem problemas, em que posso te ajudar?
– Eu preciso te ver, eu preciso muito te ver.
– Priscila, eu vou ser bem sincera com você. Eu levei um balde de água gelada quando você me disse que estava se preparando para sair com outra mulher. Eu juro que entendo, é seu jeito de seguir a vida. Mas, eu não consigo ser assim, a única coisa que eu quero é viajar a trabalho, trabalhar bem pelo povo e entrar nesse quarto e me matar de tanto estudar. Eu não estou disposta para sair.
– Eu, eu te entendo e poxa… Maria, eu te peço, por favor, vamos conversar olho a olho. Uma última vez que seja.
– Está bem.
– Pode ser hoje? Agora são oito da noite, tá cedo.
– Hoje não, eu… Eu estou cansada e não quero ver ninguém. Podemos falar na sexta feira? Daqui a cinco dias.
– Ah, claro, como você preferir. – Senti um desânimo em sua voz.
– Está bem, então, na sexta te chamo no whats ou te ligo para marcarmos um local.
– Está bem, boa noite e bom descanso.
– Obrigada, para você também.
Os dias foram passando até rapidamente, chegou a sexta feira. Saí da reunião da cúpula e entrei no carro com Carlos em direção a minha casa.
– É hoje que vocês irão conversar? – Ele perguntou enquanto estávamos parados no trânsito.
– Sim, estou sem um pingo de ânimo. Não queria sair de casa.
– Bom, se Maomé não vai a montanha… A montanha vai até Maomé.
– Como?
– Nunca ouviu esse ditado, princesa?
– Sim, mas como ela entrará no palácio com o rei dentro dele? Sabe que ele controla tudo.
– Sim, mas tem como… Conheço o palácio como a palma da minha mão. Nasci, cresci e vivo lá dentro. Minha mãe me ensinou cada passagem.
– Saudades da dona Zilá.
– Saudades dela também, que Deus a tenha em bom lugar.
– Sim, ela está em bom lugar, amigo.
– Me dá permissão de fazer com que ela entre, levo ela até seu quarto.
– Está bem, agente de missão impossível.
– Ótimo, pode deixar, falarei com ela. Só aguarde e esteja mais animada. É horrível te ver assim.
– Vou tentar.
Recebi uma mensagem de Carlos.
“ Princesa, deixe a porta destrancada do seu quarto. Já estamos dentro do palácio.”
Abri a porta calmamente. E fiquei mexendo no celular, até que ela entrou do nada.
– Oi…
Continua…