A PRINCESA – PARTE 09

Claro.

– Ok, Bom, quando você diz… Por exemplo, porque eu nunca ouvi isso de você, mas provavelmente você usaria isso sem saber que não é legal. Bom, vamos em uma aplicação de frase: Tais Araújo é uma mulata muito bonita.

– Concordo.

– Errado, a expressão mulata está bem errada. Primeiro que mulata não é um elogio, é um termo escravocrata, que designava as mulheres negras que tinham a pele mais clara… E isso não é um elogio. O termo se refere a mula, um animal então definitivamente mulata não.

– Ok… Continua.

– Quando alguém diz que, fulana tem uma beleza exótica… Não, exótica você pode usar essa palavra com comida mas, não quando se refere a uma mulher negra, exotificá-la é errado. Diga que ela tem uma beleza diferente. Exotificar é algo que no Brasil tem um cunho racista muito grande por trás, então não é bacana.

– Faz sentido, eu nunca ouvi alguém falar isso de uma mulher branca, sempre ouvi se aplicar a mulheres negras, tipo, aquela negra tem uma beleza exótica.

– Exatamente… Continuando. Serviço de preto. Esse termo vem quando o serviço foi classificado como ruim. E quando as pessoas precisam trabalhar no dia seguinte, eles usam a frase de “vou trabalhar afinal amanhã é dia de branco” Como se nós não trabalhássemos.

– Esse termo não conhecia.

– Pois é, e tem mais… Quando você fala da cor do pecado.

– Isso é um elogio certo? Teve até novela com esse título, inclusive feita pela Thais Araújo.

– Não e sim… Não é um elogio, e sim Thais fez uma novela sim.  Quando você usa essa fala, você não está elogiando. Primeiro que pecado é sinônimo de coisas ruins, a nossa sociedade entende assim, então porque eu tenho a cor de algo ruim? Fora que você objetifica a mulher, para aquela mulher que vai ser incrível na cama.

– Nossa, nunca parei para pensar nisso.

– É… a coisa tá preta… Acabo de usar um termo racista, quando você fala esse tipo de expressão, você da cor ao racismo. O racismo foi tão naturalizado durante anos e anos em todos os lugares do mundo que, hoje, as pessoas usam como se fossem algo natural mas, não é nenhum pouco. A gente tem que desconstruir tudo isso.

– Verdade, vocês tiveram a carta de alforria e tal, mas, vocês não tiveram nenhum tipo de compensação, ainda mais naquela época. Os negros foram libertados mas, quantos e quantos para sobreviver ainda tinham que viver servindo aqueles senhores e senhoras feudais e enfim. Injustiça atrás de injustiça.

– Exatamente. Sabe, a Fabiana vem passando por isso agora, ela até veio conversar comigo porque tem umas garotas do colégio dela falando que o cabelo dela é ruim.

– Nossa, complicado isso.

– É, eu falei que o cabelo dela não é ruim, o nosso cabelo não é ruim. Ele não beliscou ninguém, ele não bateu em ninguém, porque então ele é ruim? Ele só tem uma textura diferente. Apenas isso. É só mais um termo racista, para não reconhecer que existe uma beleza.

– Verdade, nossa… Meu Deus, eu acho que sem perceber já fui racista, já usei alguns desses termos. Me sinto até com vergonha de você.

– Tudo bem, algumas coisas estão tão enraizadas, que não é perceptível, se tornam naturais de dizer. Mas, machuca… Mas, agora você aprendeu, mocinha. – Apertei seu nariz.

– Sim, você me deu uma aula e eu juro, que eu vou usar toda essa minha influência, meu nome nobre enfim, o que puder, para ajudar a acabar com isso. É preciso alguém fazer alguma coisa. Eu te juro, Priscila, eu vou trabalhar dia a dia para que não exista mais Fernando’s sendo parados… Nem Priscila’s sofrendo agressões na escola, eu te prometo. Eu vou dar um jeito. – Ela se levantou da cama, ficou andando de um lado para o outro toda preocupada. – Isso é revoltante.

Comecei a sorrir… Por mais que ela esteja brava com toda a situação eu comecei a sorrir olhando para ela.

– O que foi? – Ela parou de andar.

– Você conseguiu.

– Consegui o que?

– Lembra quando visitei sua casa pela primeira vez. – Me levantei indo em sua direção que estava escorada na minha mesa de estudos.

– Lembro.

– Quando  andávamos por um dos jardins. A gente estava conversando e eu brinquei com você, te perguntei se você sonhava com seu príncipe encantado. Lembra o que me respondeu?

– Não. – Ela me disse toda tímida.

– Cabeça de vento. – Mexi em seu cabelo. – Você me respondeu que não sonhava com príncipes encantados mas, que sonhava em ser a princesa encantada de alguém.

– Ah, verdade!

– Você conseguiu, você é minha princesa encantada.

– Sério?

– Uhum, obrigada por me defender. – Abracei-a apertado.

– Eu fiquei cega quando vi aquela mulher gritando aquele bando de merda, eu jamais vou deixar alguém ser preconceituoso perto de mim. E só Deus sabe o quanto eu me segurei para não voar no maldito pescoço daquela mulher.

– Nunca ninguém me defendeu, nunca ninguém teve voz, coragem ou seja lá o que precisa pra defender uma injustiça.

– Vou te defender de tudo e todos, eu prometo. – Ela me deu um beijo no rosto. – Você é minha namorada, é meu dever protegê-la. – Ela disse baixinho no meu ouvido e então sorri.

– Somos namoradas? – Brinquei.

– Somos, achei que era isso quando conversamos no meu quarto. – Ela ficou séria, um pouco vermelha.

– Na verdade não era bem isso. – Falei e senti sua mão gelar. – Calma, estou brincando! Somos namoradas sim, só que nunca nos chamamos assim.

– Ai, que susto Priscila, pois é, nunca nos chamamos assim, mas, é o que você é. Minha namorada

– Sou e tenho tanto orgulho disso. – Beijei-a. – Adorei sua maquiagem.

– Eu mesma fiz, me maquiar é sempre uma agradável experiência.

– Repete.

– Eu mesma fiz, me maquiar é sempre uma agradável experiência.

– MEU DEUS, COMO VOCÊ É FOFA QUANDO FALA ESSA LINGUAGEM MAIS COLOQUIAL… Você é perfeita. – Comecei a dar beijinhos nela.

– Adoro essa chuva de beijos.

– E eu adoro te beijar. – Coloquei minha mão no seu pescoço. – Posso te perguntar algo?

– O que você sentiu quando me viu no meu ambiente de trabalho?

– Orgulho. E você?

– Fiquei com vergonha, toda desarrumada, de cabelo preso com aquela redinha.

– Nunca sinta vergonha do seu trabalho, e você é linda de qualquer maneira.


Uma semana depois.

E passando pela calçada, em uma banca de jornal me deparo com as princesas na capa, Maria e Carolina estão lindas, sorrindo tão descontraídas, só na capa já dá para ver tanta parceria e amor entre as duas.

Comprei a revista e levei para casa, para ler mais tranquila.

Não era apenas a capa e uma matéria, a revista quase que completa era delas, os looks da Carolina, os looks da Maria.
Às vezes é difícil acreditar que ela é minha namorada… Queria exibir para o mundo que ela é minha, espero que um dia isso aconteça.

Maria Julia é a princesa mais velha, sucessora do trono real um dia. Na entrevista

A revista até que não apelou tanto com elas, não perguntou muito de namorados e nem nada, o que me aliviou bastante a alma, afinal, o que ela iria responder?

POV MARIA

Uma semana depois.

Hoje faz um mês da nossa conversa sobre tentar. Convidei Priscila para um passeio de barco, só eu ela e o mar.

Resolvi comprar algo simples, espero que ela goste.

Carlos foi buscá-la, e quando ela chegou… Meu ar sumiu. Toda linda e sorridente, carregando uma caixa.

– Olá, princesa. – Ela sorriu mais uma vez me oferecendo sua mão.

– Olá, princesa. – Falei ajudando-a subir no barco. – Sou a capitã Maria Julia e vamos velejar por essa noite.

– Feliz um mês de namoro. – Ela me abraçou apertado.

– Feliz um mês de namoro, agora vamos embarcar… Obrigada, Carlos.

– De nada, bom passeio.

– É seu esse barco?

– Não, é de um amigo meu, peguei emprestado mas, por hoje é nosso.

– O cheiro está ótimo.

– Está mesmo, gosta de frutos do mar?

– Amo!

– Que bom, acertei, foi uma escolha arriscada, mas se nada desse certo, comprei macarrão instantâneo.

– Boba! Quem vai nos acompanhar?

– Como assim?

– Quem vai pilotar, comandar o barco? Ou vamos ficar ancoradas aqui.

– Vamos para o mar, e eu vou comandar a embarcação, eu não estou brincando mocinha, eu sei pilotar essa coisa.

– Sério, mesmo?

– Vem, vou te mostrar.

Levei Priscila até a cabine de comando, Naveguei um pouco até achar um ponto calmo.

Desci e servi o jantar.

– Quer sorvete? – Perguntei repetindo minha sobremesa.

– Mais? Não, se não vou sair daqui rolando.

– Você come muito pouco. – Reclamei.

– Ou você que come demais. – Ela disse brincando.

– Olha essa liberdade. – Caímos na risada. Então me levantei.

– Não vai comer mais?

– Não… Comer eu como depois, quero te entregar seu presente de namoro.

– Hum, a caixa misteriosa.

– Espero que goste. – Entreguei uma caixinha para ela.

– Claro que vou adorar. – Ela me beijou, e depois abriu a caixa. – Meu Deus. – Seus olhos brilhavam. – É lindo. – Uma pulseira com um pingente escrito princesa se revelou.

– Gostou mesmo?

– Eu amei! Coloca em mim por favor.

– Feliz que você tenha gostado, sempre te chamo de princesa… Espero que se lembre de mim todas as vezes que olhar para a pulseira.

– Eu lembro de você sempre, com ou sem pulseira… Bom, agora é o meu! Eu ia dizer para você abrir em casa, mas eu quero ver sua reação. Não é nada incrível até porque, materialmente falando, você pode ter tudo o que quiser. Então eu decidi fazer seu presente… Espero que goste.

– Hum interessante… Posso abrir?


– Vai em frente. – Ela cruzou os dedos.

– Está bem. – Abri a caixa e me surpreendi, tem de tudo aqui dentro. Uma carta, chocolates, um sapo de pelúcia e um porta retrato com uma foto nossa. – O sapinho é mais para você me ter por perto, lembra do meu apelido?

– Lembro. – Sorri emocionada.

– Não gostou? Porque você está quase chorando? – Ela segurou minha mão.

– Porque é a coisa mais linda que já ganhei em toda minha vida. É lindo.

– Sério que gostou tanto assim?

– Eu amei. De verdade. Você fez o presente, você tomou um tempo fazendo isso tudo.

– Que bom! Vem aqui, me dá um abraço apertado. – E assim foi, ela me abraçou apertado. – Desde que você entrou na minha vida, eu não paro de suspirar. De sorrir atoa, eu me sinto tão segura em te ter por perto.

– Eu digo mesmo. – Encarei-a. – Mas tenho medo de um dia, minha breve companhia não ser o suficiente para você, eu juro Priscila, seja paciente, as coisas vão mudar e eu vou poder dizer para o mundo inteiro que eu e você nos gostamos.

– Por você, eu posso esperar. – Ela me beijou novamente. – Está um pouco frio aqui em cima, vamos descer? Ficar em um dos quartos?

– Claro, como quiser.

Descemos de mãos dadas, até um dos quartos do barco. Tirei meus sapatos e me deitei ao seu lado.

– Quero te contar uma coisa. – Ela se deitou do meu lado.

– O que? – Me virei para ela.

– I’m taking an English course and I have enjoyed it. I think I’m learning fast. I can even translate some songs, including ours from Sam Smith.

– O que? Sério?

– Sim, eu estou amando o curso de inglês, foi um investimento mas, eu estou amando! E isso graças a você.

– Fico feliz! Você está falando bem! Sua pronúncia está bem legal.

– Obrigada… E aquela música é linda, a que dançamos na estufa. – Ela começou um carinho lento pela minha barriga.

– É a nossa música. – Retribui fazendo carinho em seu rosto.

– Sim… Tem outra música que me faz lembrar de nós.

– Qual?

– Never be the same, da Camila Cabello… Já ouviu?

– Sim, mas não estou lembrada da letra.

– Tem algo referente a música dentro do seu presente, depois você vê.

– Gostei… Se lembra de mim?

– Lembro. – Priscila foi chegando de mansinho e quando dei por mim, estávamos nos beijando de um jeito intenso suas mãos acariciando meus seios por cima do meu vestido.

– Princesa, espera. – Falei tirando sua mão.

– Fiz algo de errado? – Priscila perguntou.

– Não… Não fez, mas, é que eu não estou pronta ainda para isso, eu sou muito insegura com meu corpo e com esse lance de sexo.

– Está bem, me desculpa. Até estou com vergonha depois dessa. – Ela baixou a cabeça. – Me desculpa mesmo, Maria.

– Está brava comigo? Olha não é que eu não te queira, não é que eu não queira fazer amor com você, eu só tenho questões que eu preciso trabalhar dentro de mim, e eu não sei como fazer, eu sou insegura.


– Do jeito que fala até parece que é virgem. – Ela riu, brincando e eu me entreguei, fiquei vermelha como um tomate. – Ei, espera aí … Você é virgem.

– Eu? Bom… É assim… Sou. Eu sou virgem, sim.

– Meu Deus!

– Sei, é ridículo.

– NÃO, não é isso eu só não imaginava… Afinal você tem 23 anos!

– Pois é. Eu sou uma idiota, eu estraguei tudo.

– Não, pára… Não estragou nada, vem aqui. – Ela me puxou para seu abraço. – É que é difícil hoje em dia ver uma garota de quinze anos que seja virgem, uma de vinte e três é raridade.

– Não me acha ridícula?

– Não.

– Não vai terminar comigo por isso?

– Também não… A única coisa que eu vou fazer é controlar minhas vontades, e esperar você estar pronta. Maria, não vai ser o fato de você ser virgem ou não que vai me distanciar de você… Eu gosto de você de verdade.


E a noite se passou com nós duas conversando. Namorando, cheguei em casa quase três da manhã segurando minha caixa de presentes, após deixá-la na porta de casa.

Priscila me encanta em cada detalhe, cada sorriso… Cada beijo.

Eu queria tanto ter me entregado a ela, mas, eu não saberia como, eu preciso me resolver psicologicamente primeiro, mesmo depois de doze anos, tem feridas que não aparecem… Tem feridas que não cicatrizam também.

Abri a caixa mais uma vez, queria olhar melhor tudo, a nossa foto foi a tirada na estufa. E outras fotos de nós duas no aniversário dela, ou fazendo careta.

Somo um casal bonito., pensei em voz alta.

Me deitei na cama, e abri sua carta.

“ Feliz um mês de namoro, espero que tenha gostado do meu presente. Maria, eu queria te dizer do fundo do meu coração, que você é o meu maior presente. Sabe, como você mesma disse, eu já tive outros relacionamentos, já vivi outras coisas, mas, eu nunca vivi o que eu vivo com você, e não acho que é pelo fato de você ser uma nobre, não é o fato de você ter esse jeitinho de falar todo certinho. Nem é pelo seu jeito todo meigo e forte. Mas é porque é você. Independentemente de títulos de nobreza, é você. Eu sou muito sortuda por você ter me olhado naquela roda de samba, me olhado tanto que me fez no meio de toda aquela gente, te notar no cantinho da parede. Saiba que, está tudo bem não termos aquela rotina de fim de semana de casal. Está tudo bem, sério. Porque no fundo, a gente não precisa estar colada para estar juntas. Sabe, tem uma música que me faz lembrar de você, ela é em inglês, mas, escrevi um trechinho para você aqui.
“ Sim, você tudo o que preciso; É você, amor;
E eu sou uma idiota apaixonada pelo jeito que você se move, amor;
E eu poderia tentar fugir, mas seria inútil; A culpa é sua;
Apenas uma dose de você e eu soube que eu nunca seria a mesma”
Você me faz sentir assim, Maria… Te adoro, sinta-se beijada. Da sua, sempre sua. Priscila.”

Um beijo de batom no papel. Beijei o papel de volta. Sorrindo como uma idiota. Acho que posso flutuar.

Minha intenção era acordar tarde, aproveitar meu dia de folga, mas, Carlos entrou desesperado nem se importando com meus trajes.

– Princesa, perdão mas é caso urgente… A família da Priscila. – Carlos estava visivelmente desesperado.

– O que tem eles? – Dei um pulo da cama.

– O Rei mandou o Marechal até a casa deles, para pedir que se afastem de você. O Marechal levou mais dois com eles, eu não podia impedir. Eu tentei, entrei na frente, mas ele me apontou uma arma. O rei deu ordem para acabar com a família dela e por a casa abaixo. Vão destruir tudo. Eu não consegui impedir.

– Quando foi isso?

– Agora, eu dei a volta correndo.

Eu vou atrás dele.

– Eu vou junto.

– Fique se não o rei vai lhe punir.- Vesti a primeira coisa que achei em minha frente e sai sem falar nada. Peguei minha moto e fiz um atalho para tentar chegar rápido.

Chegando na comunidade as pessoas ficaram observando.

Por sorte cheguei quase que junto do carro. O Marechal nem avisou que entraria, e já derrubou a porta com o pé, escutei os gritos e entrei correndo de capacete e tudo.

– Onde pensa que vai. – Um dos guardas falou enquanto pegava no meu braço. Retirei o capacete com dificuldade. – Princesa, perdão. – Ele me soltou na hora.

– Sai do meu caminho. – Ele saiu sem dizer nada.

– Marechal, pare agora! – Quando olhei o general estava indo em direção ao pai de Priscila que estava pronto para defender sua família com um pedaço de cadeira nas mãos.

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