#Crítica – “Carol”: uma nova perspectiva dos romances LGBT

 

banner.fw (Cópia em conflito de Celine 2015-09-24)

Filmes com temática LGBT, infelizmente, quase sempre terminam com finais inapropriados e, na pior – além de mais repetitiva – das hipóteses, irreversivelmente melancólicos e/ou trágicos. Contudo, acredito que a persistência deste triste padrão está com os dias contados, pelo menos, tive esse delicioso pressentimento ao sair do cinema.

“Carol” trata de um romance entre duas mulheres, numa época (EUA, década de 50. Para se ter uma ideia, a homossexualidade só foi retirada do rol de transtornos mentais em 1990) em que as “inclinações homossexuais” eram consideradas como um desvio moral, uma aberração (utilizada, inclusive, como argumento para separar a mãe de uma filha), e embora tudo seja colocado sem violência gráfica no filme, fica claro para o espectador que era realmente complicado uma pessoa “sair do armário” – com a cara e a coragem –, dadas as circunstâncias. De fato, o divórcio era mais aceitável que ser gay ou lésbica.

O que mais gostei em “Carol” – sem mencionar as fantásticas e tocantes atuações de Cate Blanchett e Rooney Mara, com os papéis de Carol Aird e Therese Belivet, respectivamente – foi a sensibilidade poética com a qual se desenvolveu a história. Nada é feito rápido ou lento demais: as relações heterossexuais insossas que ambas mantinham com os parceiros, os primeiros olhares entre as protagonistas, a intimidade e a paixão estampadas nos comportamentos das mulheres e a descoberta da sexualidade de Belivet – são como versos de um poema bem encadeado. As fases do relacionamento são bem construídas e integradas, sem a adição de estereótipos ou exageros de qualquer tipo – os quais, por vezes, sejam bastante comuns em películas com este tema.

É lindo como o diretor produziu a cena de amor (beeeem diferente do sexo instintivo e descabelado de “Azul é a cor mais quente”) entre Carol e Therese. Há um close nos seios e nas curvas de Rooney Mara capaz de deixar qualquer um(a) “emocionado(a)” – isso é um eufemismo –, e a suavidade, a delicadeza e o erotismo sofisticado com que se retratou o sexo entre as moças são maravilhosamente inspiradores.

Uma única ressalva que faço ao roteiro diz respeito ao enfoque em Carol, uma personagem que, apesar de ter tido problemas sérios decorrentes do preconceito por sua orientação sexual, conseguiu usufruir de alguns “privilégios” advindos de sua classe social/condição financeira, tais como não depender exclusivamente do cônjuge, podendo divorciar-se dele. Nem todas as mulheres (lésbicas, principalmente), todavia, tiveram estas mesmas prerrogativas, submetendo-se, não raro, a um companheiro mais agressivo ou intolerante, ou a uma prole que dependia delas, ou ainda a uma condição monetária que as transformavam em subordinadas a um provedor patriarca, um homem que as sustentasse e aos seus filhos. Talvez Todd Haynes, o diretor, tenha se esquecido do fator “ativista”, ou apenas quisesse focar em algo mais íntimo, mais subjetivo, o que também não é nada mal.

Mas, enfim, à medida em que o filme vai se aproximando da sua conclusão, você prende o ar nos pulmões e agarra forte os braços da poltrona, porque não sabe se a receita será a mesma, isto é, se alguém vai morrer, se o casal não vai ficar junto, ou algo pior (será possível?), já que foi isso que o público recebeu das produções cinematográficas (LGBT) até agora.

Eu disse até agora.

Por sorte, “Carol” fecha com chave de ouro, demonstrando que é tempo de encarar as relações homoafetivas de maneira diferente, mais saudável, mais feliz. Se eu lacrimejei ao sair da sessão, não foi por estar decepcionada ou achar que o ingresso fora caro demais. Na verdade, foi por, pela primeira vez na vida, constatar que o mundo lésbico, gay, bi, etc. é incrível, e as artes – o cinema, a poesia, o teatro, dentre outras – têm o poder de engajar-se na divulgação desta imagem positiva de quem somos/e como vivemos, ou melhor, possuem o dever – enquanto ferramentas de conscientização social – de representar essa visão.

Desta vez, com finais tão decentes – e animadores – quanto os da maioria dos romances ditos “heteronormativos”.

Portanto, caras Betinas, não deixem de assistir a uma das promessas de Oscar de 2016 e permitam-se ser sedutoramente envolvidas por esse majestoso conto de amor.

assinatura cika.fw

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