Improvável – Parte 3

Desde que cheguei a Miami, resolvi trabalhar em algo como um serviço voluntário, minha mãe sempre diz que se a nossa vida está tudo bem, se temos saúde, emprego, um lar e comida na mesa, a gente deve procurar um modo de devolver em bem para os outros. Pensando assim me tornei voluntária em um centro de animais abandonados, infelizmente isso não é só coisa do Brasil. Eles chegam filhotinhos, alguns com sinais graves de maus tratos. O que a instituição faz é: cuidar da saúde, dar amor e carinho. Para que depois, quando o animal estiver bem, ele possa ser disponibilizado para a adoção.

– Bom dia!

– Bom dia Julia, como foi a semana?

– Muito bem e a sua?

– Boa também… Preciso da sua ajuda, temos um novo membro nos voluntários, o nome dele é Marco. É um bom rapaz, preciso que seja a tutora dele, mostre como funciona o abrigo, e ensine ele a colocar a mão na massa… Ir no setor de filhotes, adultos, fêmeas grávidas, velhinhos e até mesmo no setor de recuperação.

– Claro, farei isso… Onde ele está?

– Fazendo o cadastro dele, eu vou chamá-lo.

– Ok. – Continuei a fazer minhas tarefas até que um homem alto de cabelos castanhos e olhos verdes claros entrou na sala.

– Olá, você é a Julia?

– Sim, e você é Marco, muito prazer em conhecê-lo

– Prazer é todo meu, eu estou tão animado! Amo cães! E eles são tão fofinhos!

– É, mas olha, já aviso você vai ver muita coisa aqui que não é tão fofa.

– Exemplo.

– Tem de tudo, infelizmente… Tem cães que levaram água quente no corpo e no rosto, cães que perderam a visão porque alguém furou, cães que foram violentados sexualmente por humanos, cães atropelados e cães que viveram em uma família a vida inteira e de repente são abandonados aqui na porta porque já não servem mais, porque estão velhos.

– Nossa…

– Ainda dá tempo de desistir

– De modo algum, esses cães precisam de carinho… Vou cuidar de todos com muito amor.

– Ótimo! Eles precisam mesmo, agora vamos ver os filhotes e depois nós vamos transitar por outros setores. – Marco foi me seguindo, enquanto mostrava tudo e explicava como funcionava o abrigo e nossas funções.

A tarde passou rápida, deu para fazer muita coisa, ele pegava os comandos de maneira rápida.

– Dia cansativo.

– Foi, mas eu amei… É triste mas, ao mesmo tempo me deixou feliz, foi gratificante e foi bom para eu me distrair. – Marco deu um suspiro triste.

– Você ficou triste, tem algo que eu possa ajudar?

– Não, bom, caso você não percebeu pela minha voz. – Marco deu uma risada. – Eu sou gay, e meu namorado foi morar no japão, volta daqui um ano e meio… Enfim, eu estou com saudades.

– Mas ele vem para o Natal?

– Espero que sim, porque ele é de lá, a família dele está toda lá… Não posso competir com a família dele ainda mais no natal.

– Ele foi a trabalho?

– Mais ou menos, os pais dele sabem que ele é gay, mas fingem não ver… Acho que nunca se importaram porque ele nunca teve um lance sério, depois que ele me pediu em namoro, e os pais dele viram com o tempo que é algo sério, chamaram ele para fazer um curso intensivo na empresa do pai.

– Não fica assim, ele vai voltar, talvez no natal ele não possa vir, mas ele vai voltar!

– Obrigado, querida… Poxa, você me conheceu hoje e foi tão paciente e legal comigo!

– A gente tem que tratar os outros como queríamos ser tratados. – Coloquei a mão em seu ombro. – Quer tomar um sorvete?

– Claro! – Marco se animou rapidinho, acho que seria bom, fazer um novo amigo.

Os meses se passaram e Marco se tornou muito meu amigo, daqueles de conversar inbox pelo Facebook e de trocar mensagens no celular.
Cindy estava namorando uma mulher que não ia com a minha cara, eu acho que é porque ela imagina que Cindy e eu ficamos… O que não é verdade. É sério! Duas mulheres lésbicas podem ser amigas sem terem trocado saliva… Ok, essa frase soou estranho, mas é isso mesmo. Já disse!
Duas lésbicas podem ser amigas, no caso da Cindy… Bissexual.

Depois de mais um sábado no abrigo, Marco e eu fomos comer alguma besteira por ai, como ele disse estar sozinho em casa, resolvemos passar em uma pizzaria, encomendar a pizza e comer na casa dele.

Enquanto esperamos a pizza, na TV passava um programa de fofoca… Falando dos escândalos dos famosos.

“ A atriz Maya Montreal que está passando férias na Itália, foi vista mais uma vez muito bem acompanhada. Ela estava com uma bela ruiva aos beijos em uma boate local… Ontem a atriz estava na companhia de uma loira misteriosa, e as duas foram para o hotel aonde a atriz está hospedada! Parece que a fila andou mais uma vez para Maya Montreal ’’

– Ela nunca vai mudar. – Marco deu um sorriso.

– E você ri? Eu tenho é pena desse tipo de pessoa… Deve ser totalmente chata, vazia com uma vida podre. – Despejei toda minha opinião sobre aquela famosa, eu sei que é feio julgar sem conhecer, mas pelo amor de Deus! Ela vive trocando de mulher como quem troca de calcinha! – Ela é ridícula.

– Meu Deus, você não gosta mesmo dela, não é?

– Gosto do personagem dela, assisto a série, acho a personagem dela perfeita! Mas realmente não vou com a cara da atriz.

– Você já viu ela pessoalmente? Ela é linda!

– Nunca a vi, e realmente deve ser… Na TV, revistas e seja lá qual o meio de divulgação dá pra se notar a beleza dela.

– Talvez seja por isso que ela vive trocando de mulher, porque todas querem um pouco! – Marco estava se divertindo com aquela conversa de um jeito que eu não entendia.

– Isso é ridículo, não conheço e nem quero conhecer uma pessoa assim… Esse tipo de gente deve cagar pela boca quando fala.

– Ela é legal, só anda com má companhia.

– Você já viu ela pessoalmente?

– Sim, praticamente todo dia quando ela está em Miami.

– Ah Marco! Pára, você não trabalha em TV!

– Não, mas eu vivo com ela… Eu sou irmão da Maya.

– Oi? – Perguntei torcendo para eu ter entendido errado. – Para de besteira!

– É sério! Quando você chegar em casa, você vai ver.

Fingi não me importar com o que Marco disse, como assim ele é irmão da Maya Montreal? Impossível, Marco é um cara brincalhão, ele provavelmente deve estar zoando mais uma vez… Ele é cheio de gracinhas.

A pizza ficou pronta, não tocamos mais no assunto, e quando eu cheguei na casa dele, primeira foto de família… Lá estava Maya perto dele.
Quis morrer, fiquei vermelha afinal, eu detonei a irmã dele, sem saber que os dois eram irmãos.
A noite foi boa, rimos comemos horrores, mas eu me sentia incomodada por ter falado aquelas coisas da irmã dele, eu queria me redimir… Só não sabia como. Então decidi ser curta e grossa.

– Marco. – Puxei papo toda constrangida. – Desculpa por ter falado essas coisas da sua irmã.

– Tudo bem, de certo modo eu concordo, é isso que ela passa para os outros quando fazem flagras desse tipo… Eu e ela somos gêmeos. – Ele deu uma risada divertida. – Não precisa ficar assim, volte a sua cor natural, você está mais vermelha do que um alemão bêbado em uma feira da cerveja. – Caímos na risada. – Sabe, dentro dela, existe alguém legal, uma garota tranquila… Essa garota só perdeu o caminho depois que começou a andar com uma amiga dela. – Ele fez uma careta. – Chama-se Rubi, a mulher é de balada, festas e pegação… Ninguém aqui em casa gosta da Rubi, porque Maya é uma pessoa totalmente diferente com Rubi e outra com Patty.

– Quem é Patty?

– A melhor amiga de Maya, desde criancinha as duas brincam… Patty é legal, tranquilona, ela até curte relaxar e tal, mas os programas dela são bem mais caseiros… Cozinhar para amigos, acampar, tomar um vinho escutando uma música.

– É desse tipo de gente que eu gosto! – Brinquei com ele.

– Vou te apresentar ela, dá próxima vez que ela me chamar para algo eu te chamo.

– Ok, eu irei sim… Mas, assim, só para eu me sentir melhor, me perdoa pelas barbaridades que eu disse sobre sua irmã?

– Claro que perdoo, na verdade nem tenho que te perdoar, mas se você vai se sentir melhor assim… Ok, eu Marco lindo Deus grego perdoo você pobre mortal. – Ele colocou a mão estendida em frente ao meu rosto. – Vamos, beije minha mão.

– Nem morta! Deus grego!

Semanas se passaram, tudo normal, trabalhando muito, vendendo muito e estudando muito…Claro sempre tendo um tempo para o abrigo no sábado e domingo, tempo só meu, para fazer o que eu quisesse.

– Bom dia flor do dia!

– Que animação é essa?

– Amanhã é meu aniversário!

– Sim, eu sei, você não para de falar disso.

– Pois é, minha irmã resolveu dar uma festa para comemorar o nosso aniversário, já que eu sou 7 minutos e 32 segundos mais velho que ela… E você vai comigo!

– Marco, olha eu e você comemoramos depois, eu realmente não tenho saco pra balada.

– Por mim! Tenha compaixão! Eu estou sem meu namorado, será que eu não posso ter a minha melhor amiga comigo?

– Ok, eu vou! Posso levar a Cindy para não me sentir uma estranha no ninho?

– Pode!

– Me passa o endereço depois por e-mail ou mensagem de texto, tudo bem?

– Tudo! Vou colocar o seu nome na lista e o da Cindy também! Espero por você! Não fura comigo!

– Tem minha palavra!

– Adoro! Beijo gata!

– Beijo!

O dia passou voando, Cindy amou saber que teria uma festa para ir, ainda mais na melhor boate de Miami… Festa VIP, com pessoas VIP e famosas, por conta da irmã do Marco e nós, duas indigentes perante aquelas pessoas, transitando por elas em pé de igualdade. Essa é a visão de toda situação aos olhos de Cindy.

– Ah, que bom que vocês duas vieram! – Marco nos abraçou.

– Até que não é tão ruim isso aqui… Acho que aguentaria isso uma vez por mês.

– Já é uma evolução isso!

– Milagre, eu diria.

– Eu gosto de música, eu amo dançar! Fazia aula de dança no Brasil.

– Hoje você terá um bom motivo para requebrar! – Marco estava conversando conosco quando uma moça o abraçou por traz. – Quem é a louca? –  Marco se virou, fazendo com que assim pudesse ver finalmente o rosto, era ela, uma das atrizes da série que a irmã dele participa, todos torcem para que as duas tenham um caso na vida real… As duas formam um par romântico na série, e honestamente até eu torço para essas duas ficarem juntas fora das câmeras. – LUCY!

– Feliz aniversário meu amor! –  Os dois se abraçaram demoradamente. – Oi gente! – Finalmente ela notou nossa presença. – Prazer, eu sou Lucy.

– Prazer Lucy! Sou sua fã! – Cindy toda entusiasmada.

– Muito prazer Lucy, faço das palavras da Cindy as minhas. – Dei um sorriso cordial. – Me chamo Julia.

– Julia e Cindy! Belos nomes! Também são amigas desse lindo aqui?

– São! Cindy é amiga da Julia e eu conheci a Julia naquele abrigo de cães que eu sou voluntário.

– Ah você me falou sobre o abrigo, parabéns por ajudarem… Queria muito fazer isso, mas a rotina louca não deixa… Mas quero visitar!

– Será muito bem vinda.

– Obrigada! – Lucy olhou para Marco. – Gato, vou atrás da sua irmã, cumprimentá-la tirar umas fotos, só pra alguma foto vazar e os jornais sensacionalistas acharem que nós somos um par. – Ela fez uma careta.

– Vocês formam um belo casal!

– Até pode ser, e pior que já fomos casais em dois filmes e agora na série que já está quase no terceiro ano! Na boa, não aguento mais dar beijos na sua irmã. – Nós quatro caímos na risada. – Maya é legal, não tem bafo… Os beijos são técnicos, então não sei se ela beija bem realmente, mas tudo indica que sim! Mas na boa, a gente grava aquelas cenas apaixonadas… Cenas quentes as vezes, quando o diretor fala, CORTA! Eu e ela começamos a rir! Definitivamente nós não temos aquela química!

– Pena! – Cindy disse.

– Hum, temos aqui então uma fã de Macy! – Lucy disse em tom de brincadeira. – Gata, eu e Maya não rola! – Lucy levantou as mãos e deu uma risada divertida. – Como disse eu vou atrás da sua irmã! Nos falamos depois! – Lucy foi saindo ao ritmo da música. – Nos falamos depois meninas!

– Ela é simpática. – Disse enquanto pegava uma taça de champanhe.

– Ela é demais! – Cindy estava super empolgada.

Continua…

Parte 1

Parte 2

Parte 4 

assinatura paula okamura.fw

Celine Ramos
Baiana, feminista, negra e publicitária. Fundadora do SouBetina. Vivo na ponte-aérea Salvador-São Paulo. <3