Improvável – Parte 5

Entramos na casa, Julia é uma mulher nem profissional, me mostrou cada canto da casa e respondeu todas as minhas perguntas.

– Pronto, senhorita Montreal, a visita está finalizada, alguma dúvida?

– Sobre a casa, não. – Disse olhando-a fixamente.

– Ok, estou indo embora. – Ela começou a andar apressadamente.

– Não vai sanar minhas dúvidas? – Fui atrás dela.

– As dúvidas que cabem a mim, eu já sanei.

– Me diz porque você me acha alguém superficial e nojentinha.

– Acho você metida, superficial e promiscua.

– Ui, isso me ofendeu!

– Não espere que eu peça desculpas por isso.

– É… Você é durona, mas queria te entregar alguma coisa. – Abri a bolsa e tirei uma caixa de dentro dela. – Pegue, é seu.

– Não tem nada meu com você.

– Qual é? Apenas pegue! Você verá que tenho razão. – Julia pegou a caixa e abriu, a cara dela foi hilária.

– Meus óculos?

– Exatamente! Assim que eu acordei com uma terrível ressaca meu pai me contou tudo o que eu tinha feito. Pesquisei na internet um lugar que pudesse restaurar o óculos, ai eu achei um na França, mandei para lá e só chegou pra mim semana passada, mas eu estava gravando então, como eu queria entregar pessoalmente… Ficou pra hoje.

– Muito obrigada. – Os olhos de Julia encheram de lagrimas, ela guardou os óculos vermelhos que ela usava e imediatamente colocou o óculos restaurado no rosto… Tão linda. – Você mandou restaurar em Paris? – Fiz um sinal de positivo com a minha cabeça. – Quanto foi? Faço questão de pagar!

– Por favor, eu vomitei no seu carro, quebrei seu óculos e sabe-se lá o que mais eu fiz! Aceite como um pedido de desculpas, desculpas sinceras.

– Deve ter sido muito caro… Por favor, deixe-me retribuir sua gentileza.

– Ok, já que insiste, almoça comigo agora?

– Oi?

– Almoça comigo agora? Já passa das duas da tarde eu estou com fome… Gosto de comer em boa companhia… Por favor, Julia.

– Esta bem… Mas não consigo imaginar nenhum lugar que dê pra ter paz, digo, sem gente te fotografando.

– Na verdade nem eu! – Fiquei pensando em algum lugar, mas realmente durante o dia era meio que impossível… Até que eu tive uma ótima ideia. – Já sei! Sua casa.

– Minha casa?

– Exato… Se importa?

– Lá é muito simples.

– Eu gosto do simples! Consegue me dizer outro lugar? – Ela sinalizou que não, ainda pensativa. –  Pois é…

– Está bem, você pode me seguir?

– Claro.

Entrei no meu carro e ela no dela, fiquei observando-a e era a mais pura verdade: ela é linda. Não demorou mais do que 30 minutos e chegamos a sua casa num condomínio fechado.
Sua casa é bem simpática! Grama perfeitamente cortada, cercas brancas… Parece aquelas casas do filme Meu primeiro Amor com o Macaulay Culkin.

– Bem vinda.

– Obrigada… – Retribui o sorriso e entrei com cuidado. – Vai me mostrar a casa?

– Quer?

– Sim! Muito! Dizem que a casa da pessoa diz muito sobre ela. – Julia me guiou por sua casa com toda a paciência até que paramos na cozinha.

– Gosta de massa? – Ela perguntou enquanto tirava o blazer do corpo.

– Sim! Amo!

– Farei uma massa então, fique à vontade.

– Ficarei. – Comecei a caminhar por um livreiro que ficava entre a cozinha e a sala. – Você também ama ler!

– Eu amo ler… Como assim também?

– Havia uma época que eu era uma pessoa calma, mais caseira e amava ler… Ainda amo! Mas não paro muito em casa, as únicas coisas que tenho lido ultimamente são as falas para gravar… Sinto saudades de ter um tempo para mim.

– E porque não tem?

– Não sei… Boa pergunta, mas eu realmente não sei… Acho que preciso rever meus conceitos, minhas amizades e como me comporto… Concorda?

– Prefiro não opinar.

– Tudo bem… – Comecei a ver as obras que Julia tem em sua coleção de livros. – Você gosta de poesia! A maioria dos livros estão em português.

– Sou brasileira, gosto de consumir literatura e música brasileira.

– Legal! Gosto de livros de poesia, um dos meus autores prediletos é o Érico Veríssimo.

-Tá falando sério?

– Muito sério! A obra dele é riquíssima! Tem um trecho que ele escreveu em abril de 1971, na cidade de Porto Alegre, pelo menos é o que o livro dele diz… Bom, o trecho é o seguinte… Cada um está só sobre o coração da terra, transfixado por um raio de sol e de súbito anoitece. – Julia me olhava como quem não acreditava que aquilo realmente fosse verdade. – É do livro Ana Terra.

– Estou surpresa.

– Sei que está. – Pisquei para ela, mas ela de imediato desviou o olhar. – Eu também estou surpresa… Sua casa é muito bem decorada, seu livreiro só tem bons autores e o cheiro vindo da cozinha está magnifico.

– A massa, eu terminei de amassa-la e coloquei pra cozinhar… Vou fazer o molho agora, acho que daqui 20 minutos está pronto.

– Quer ajuda? – Me aproximei dela, encarando-a.

– Não precisa… – Ela disse com as bochechas vermelhas, significa que minha presença a intimida de alguma forma, isso é bom! Bom pelo menos para mim. – Fica à vontade para pegar qualquer livro para ler.

– Valeu. – Me sentei no chão de frente para o livreiro e comecei a folhear um livro qualquer, enquanto ela trabalhava na cozinha, se o cheiro estava bom… Você não pode imaginar o quão maravilhoso estava o macarrão, eu repeti… Três vezes. – Meu Deus, sinto que se eu beber um pouco de água eu estouro como uma bomba.

– Comemos bem.

– Muito bem! Que minha mãe não me escute, mas o seu macarrão é o melhor.

– Não fala assim!

– É sério! Conhece minha mãe?

– Não.

– Vamos marcar de você ir jantar lá em casa, meu pai já te adora, meu irmão é seu fã, tenho certeza que não será diferente com a minha mãe.

– Ok, será um prazer conhecer ela.

– Me fala mais de você Julia… Até agora sei apenas que você é brasileira, amante de boa música e bons livros… Que você é vintage.

– Vintage?

– Sim, inclusive no jeito de falar… Suas palavras são formais e bem colocadas, principalmente para nomes… Você ainda me chama de senhorita Montreal!

– Só acho que não tenho intimidade o suficiente.

– Pretendo mudar isso com o tempo… Mas, enfim, me conte quem é você! Me conte sua história.

Julia me contou mais sobre sua família e seu trabalho, nada de sua vida pessoal… Mas não iria pedir para que ela me contasse isso, seria indelicado e invasivo. Depois de um tempo me despedi dela, fiquei feliz por ter conseguido conversar com ela, até consegui seu número de telefone pessoal… Foi um dia bom! Muito bom.

POV JULIA

Ok, as coisas estão fugindo do controle, um dia eu a odeio com todas as minhas forças… Há duas semanas, ela estava na minha casa, recitando poema e comendo massa fresca. E o mais impressionante disso tudo é que ela é realmente legal, no fundo, bem no fundo existe uma versão dela que é legal.

Conversamos muito pelo WhatsApp (pra mim conversamos muito, pra ela conversamos pouco). Mas de modo geral nos tratamos bem, conversamos sobre livros e filmes que não vimos, temos gostos parecidos. Maya é extremamente inteligente e sensível à arte… Dizem que para ser atriz precisa dessas duas características, então ela está na profissão certa.

Cindy estava ficando com Rubi… E se conheço bem minha amiga, ela estava gostando muito da moça, talvez já imaginando algo mais sério. O que é uma pena, sinto que Rubi só quer curtir e dar uns beijos, um sexo sem compromisso.

Maya comprou a casa, estava contando com a ajuda de Marco para decorar seu novo lar. Meu chefe estava em uma alegria só, não era a primeira mansão milionária que vendíamos, mas era a primeira que alguém famoso comprava, e isso em Miami conta muito.

Marco estava empolgadíssimo por ter tido carta branca para dar palpite na decoração, mais animado ainda por ter em mãos um cartão de credito sem limites… Como ele vive dizendo, se eu quiser comprar um navio, com esse cartão, eu posso! E quem vai pagar vai ser a Maya!

Casa decorada, Maya resolveu chamar alguns amigos para curtir o lugar, ela me chamou… Honestamente eu estava pensando em não ir. Sei lá, uma festa naquela casa enorme. Consigo imaginar mulheres andando nuas por todos os lados e bebida rolando a vontade. Não me entenda mal, eu sou lésbica e é claro que eu adoro admirar mulheres nuas, mas eu realmente sou muito careta. Mas Marco me arrastou, e para minha surpresa quando chegamos não havia uma boate dentro da casa, só Maya conversando com pessoas que eu ainda não conhecia, tomando um vinho e comendo alguns aperitivos.

– Mano! – Maya foi correndo abraçar o irmão. – Gente, ele é o responsável pela decoração da casa, todo o mérito é dele.

– Ah pare com isso Maya, eu fiz com base nas coisas que você disse que gostaria de ter!

– Todos amaram a decoração, ficou algo aconchegante! Eu amei! Todos gostaram.

– Todos menos eu! – Rubi se manifestou. – Isso está com cara de velho! Pra começar, que mansão em Miami tem menos de dez quartos?

– Queridinha, se não está satisfeita com a casa da minha irmã, compre uma com mais de dez quartos pra você e decore como um puteiro. Sei que você deve ter procurado pela casa inteira camas redondas, espelho no teto e postes de pole dance. Te conheço Rubi, você amou a ideia da minha irmã morar sozinha, seria um lugar onde você poderia dar altas festas e esbanjar um dinheiro… Que não é seu! E desculpe, essa é a minha irmã, e honestamente acho maravilhoso o fato dela estar voltando a ser o que ela sempre foi.

– Marco, pega leve.

– Você precisa saber lidar com críticas, querido Marco! – Rubi disse com a voz carregada de sarcasmo.

– Críticas eu aceito daqueles que tem moral para dizer algo. O que não é seu caso, você nunca terá moral comigo.

– Ui! – Rubi se fez de ofendida. –  Mas olha só quem está ali! JULIA!

– Olá. – Disse toda sem graça, já que todos olharam para mim.

– Feliz que você tenha vindo. – Maya se aproximou de mim me dando um beijo na bochecha. – Gostou da decoração?

– Sim, muito!

– Pois é, eu também! – Sabe aquela sensação de o mundo parar? Como se o tempo tivesse congelado, é assim que me senti, acho que foi a primeira vez que parei para olhar nos olhos dela. E por Deus eu poderia ficar ali a noite inteira, aquele sorriso lindo, aquela boca… Os olhos verdes, tem razão dela ter sido nomeada pela Times como a mulher mais linda do mundo. Eu votaria nela um zilhão de vezes. – Adorei seu vestido.

– Obrigada, gostei do seu moletom.

– Valeu! – Ela segurou em minhas mãos. – Quero que conheça alguém muito especial. – Saímos pela imensa sala aos olhares atentos de Rubi e Marco, Rubi não tinha a cara muito boa, já Marco parecia amar aquela visão, chegamos perto de uma mulher jovem. – Julia, essa é Patty, minha amiga de infância.

– Prazer em conhecer você Patty. – Nos cumprimentamos formalmente.

– Então você é a famosa Julia? – Maya ficou vermelha na hora e uma leve tensão surgiu. – Digo, o … O MARCO! Isso, o Marco fala muito de você!

– Marco é muito gentil, certa vez ele me falou de você. – Tocou a campainha tirando a nossa atenção da conversa.

– Devem ser os convidados que faltam. Patty posso deixar Julia aqui com você?

– Claro, cuidarei dela.

– Ótimo… Julia fique à vontade! – Maya nos deixou sozinha.

– Será bom ter você de companhia, sinto que a qualquer momento a Rubi vai me dar um tiro. – Caímos na risada.

– Rubi é meio possesiva com relação a Maya?

– É, mas não consigo entender… Parece que Rubi quer algo mais do que amizade, porém, ela pega geral então… Vai entender isso.

Maya reuniu os melhores amigos dela, e até chamou os pais. Os pais dela são bem legais, muito comunicativos e gentis são ótimas pessoas. Foi um jantar divertido, descontraído, todos estavam amando aquilo tudo, menos… Rubi. Admito que tenho o mesmo pensamento de Marco, ela está achando tudo isso um saco porque não tem bebida infinita, música alta e muito menos mulheres nuas.

Continua…

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assinatura paula okamura.fw

Celine Ramos
Baiana, feminista, negra e publicitária. Fundadora do SouBetina. Vivo na ponte-aérea Salvador-São Paulo. <3