Menina – Parte 1

POV ELISA

– Alô? Oi Carla, tô… Tá entendi, quê? Não, não fui eu que falei para eles fazerem isso! – Bati com a mão no volante, recebendo a atenção do taxista do carro ao lado. – Ok, eu vou até a obra e falo com o engenheiro lá, qual é o nome dele? Caio? Tinha que ser… Ok, beleza.

Começar o dia mal assim, saindo do meu “caminho da roça”. Essa expressão meus pais usavam, cresci no interior do sul de Minas Gerais, tenho tantas boas recordações daquela época, daquela vida boa e da comida caseira da minha mãe… O sorriso do meu pai, toda vez que ele sorria, seus olhos se apertavam, parecia um japonês.

Cresci brincando no chão de terra batida, brincando de boneca e indo para escola com os materiais escolares mais simples. Tudo naquela época era simples… Mas posso afirmar com toda certeza que eu tive uma infância tão feliz. Uma felicidade que não precisava de TV via cabo, iphone e vídeo games super reais.

Assim que terminei o colegial, me mudei para o Rio de Janeiro, aqui fiz minhas faculdades, construí minha empresa com Carla, lembro-me como se fosse ontem quando nos esbarramos em uma livraria, tínhamos sido demitidas e estávamos em pânico, sem emprego e ela com uma filha de um aninho para criar.

Veio a ideia de abrirmos um escritório de arquitetura, já que formamos nesta área, e deu certo.

Hoje o meu padrão de vida não é nada humilde como o da minha origem, queria que meus pais estivessem vivos para ver isso, o sonho da minha mãe era conhecer a França, quando ela morreu eu não tinha a vida que tenho e nem a conta bancaria… Até hoje, dói lembrar que não pude realizar o sonho de uma vida inteira… A vida da minha mãe.

Me chamo Elisa, sou arquiteta e designer de interiores, tenho 42 anos, cabelos longos pretos, olhos castanhos, 1,67 e um corpo magro, infelizmente magro a ponto de não ter muito seio ou bunda (sim, eu sei que tem cirurgias plásticas que poderiam resolver meu problema, mas não tenho coragem de fazer).
Fui correndo até a obra, onde estava havendo o problema de falta de comunicação do engenheiro chefe com o nosso escritório.
Caio sempre me trazia problemas, era só ele saber que nosso escritório de arquitetura estava envolvido e ele parecia agir de forma proposital… Um moleque que conseguiu um diploma de engenheiro.

– Elisa! – Caio disse com surpresa ao me ver. – O que você tá fazendo na minha obra?

– Pra começar, essa não é sua obra… Pessoal, vocês poderiam esperar do lado de fora, gostaria de falar em particular com o Caio. – Todos os funcionários dele saíram na hora. –  Então Caio, me diga… Que merda é essa de dar a sugestão para o cliente de mudar todos os pisos?

– Foi apenas uma sugestão!

– Você não é pago para dar sugestões seu moleque! Você é pago para executar a porra de uma obra nos moldes que o MEU ESCRITÓRIO PLANEJOU! Tem noção, ou melhor, você tem sim, noção de como esse cliente é indeciso, eu e a Carla vamos trabalhar dobrado para fazer com que ele não mude de ideia, por uma simples “sugestão” de merda!

– Desculpe querida Elisa. – Caio me devolveu com um sorriso sacana. – Prometo ficar quieto, como diz aquela música, cada um no seu quadrado.

– Acho bom. – Me aproximei dele. – Caio, eu não sei qual é seu problema com a minha empresa, ou comigo ou com a Carla… Mas saiba ser mais profissional, acredite você é um, moleque de vinte e poucos anos, tá começando agora, eu conheço bem esse mercado, é massacrante, ou você trabalha e faz o seu melhor e sabe manter uma relação com os outros setores ou você é esquecido… Nós vivemos de indicações. Seja mais profissional. – Sai sem olhar para traz, aquele cara conseguiu me tirar do sério em plena sexta.

– Bom dia Clarice. – Parei em frente a minha secretária e ela me ofereceu um sorriso cordial.

– Começo de dia difícil Elisa?

– Apenas um nome… Caio. – Clarice fez uma careta que nos fez rir. –  Onde está Carla?

– Está na sala dela, toda feliz porque a Sofia vai passar uma temporada aqui no Brasil.

– Legal, nossa, não vejo Sofia desde seus 15 anos… Acho que faz um bom tempo isso, vou até ela. – Caminhei até a sala de Carla. – Amiga?

– Entra! – Carla deu um grito respondendo a batida que dei em sua porta. – Como foi com o Caio?

– Acho que nesta obra ele não nos causará problemas.

– Ótimo, mas nas próximas ele provavelmente fará algo.

– Sim, mas me diga, Sofia vai voltar para o Brasil?

– Sim, ela disse que será por uma breve temporada, mas eu vou fazer o possível para convence-la a voltar para o Brasil, nenhuma mãe merece viver longe da filha e só ver os filhos no fim de ano. – Carla olhava a tela do computador como se fosse a coisa mais importante da vida.

– Algum projeto difícil? – Me sentei na cadeira a sua frente.

– O quarto da Sofi, ela chega daqui uma semana, queria decorar, mudar, eu entro naquele quarto e aquilo está um quarto de menina de 14 anos. – Carla deu uma risada nervosa.

– Calma, olha, sei que você quer fazer uma surpresa para ela, mas, neste caso porque você não espera ela chegar e ai você diz que ela ganhou uma reforma no quarto e que ela pode mudar o que quiser! Ai não haverá erros, e o resultado final vai ficar realmente a cara dela.

– Boa ideia Elisa, mas, sabe como é filhos.

– Na verdade não sei, eu não tenho.

– É modo de falar, enfim. –  Carla estava pensativa, parecia saudosa. – Filhos não gostam de fazer isso com os pais, e Sofia criou uma dependência tão grande sozinha esses anos que não quero força-la.

– Besteira, Carla… Vocês tem uma relação boa!

– Não muito, é lamentável dizer isso, mas é por minha culpa, eu me sentia tão mal por ser sozinha, por ser mãe sozinha, mesmo quando nossos trabalhos começaram a ser reconhecidos no mercado de trabalho, faltava. Várias vezes eu sai do trabalho e ia para bares e boates atrás de um homem, chegava quase amanhecendo o dia. Eu fui uma mãe ruim,  esqueci de Sofia, esqueci que era mãe e só me dei conta quando o quarto ficou vazio, depois que já tinha um segundo marido. É doloroso, sabe, ela preferiu morar longe de mim, em um pais que ela só viu nos livros, do que morar comigo.

– Olha, diga para ela que ela pode reformar o que quiser, e que ela me procure, serei a arquiteta dela. – Os olhos de Carla encheram de lágrimas.

– Você está lotada de trabalho, fará isso mesmo por mim?

– Mas é claro! – Segurei suas mãos. – Você é minha amiga, minha parceira de trabalho, levantamos isso aqui juntas, o que eu puder fazer para te ajudar eu vou fazer! E jamais vou esquecer que quando eu me separei, você foi o meu principal apoio.

– Você é a melhor amiga e sócia do mundo!

– Você também é isso tudo, e tenho certeza que é uma ótima mãe, tudo vai dar certo minha amiga.

1 semana depois…

POV SOFIA.

O calor do Brasil, admito que senti falta disso… Mas não imaginava estar tão quente assim, por mais que minha mãe tivesse me dito, não acreditei, ela sempre foi tão exagerada.

A minha relação com a minha mãe não é das melhores, sempre me senti de lado na vida dela, primeiro a empresa e depois o segundo casamento, eu até que hoje me dou bem com o Ricardo meu padrasto, mas no começo não foi assim.

Desde que pisei na casa da minha mãe tenho sido paparicada ao extremo.
Como ela mesma disse, meu quarto está perfeito para a Sofia de 16 anos, não a de 23. Para minha sorte, ela deu carta branca para mudar tudo, sei que no fundo ela queria mudar tudo comigo, mas realmente ela não saberia me tratar como cliente e respeitar minhas vontades.

Por sorte, quem vai me atender vai ser a sócia da minha mãe, Elisa… Ela deve estar com a idade da minha mãe, uns 42 anos.
Elisa foi a primeira mulher que olhei com certa malicia, ela povoou minha mente adolescente, aquelas curvas, aquele jeito sério, aquela boca… Lembro-me vagamente dela, ela deve ter mudado um pouco, fiquei sabendo que ela se separou de Cristina, as duas foram casadas por mais de dez anos e formavam um belo casal… Aquele casal exemplo.
Por mais que eu gostasse de Cristina, era inevitável olhar com malicia para Elisa.

– Filha… Filha? – Minha mãe entrou no quarto me chamando a atenção.

-Oi! – Levei um susto já que estava perdida em pensamentos. – Aconteceu algo?

– Não, eu apenas vim te dar boa noite… Sei que isso pode parecer um pouco estranho, mas eu vim fazer isso.

– Pra você eu ainda tenho 16 anos?

– Para mim você nunca vai crescer. – Minha mãe sentou ao meu lado. – No que você tanto pensava?

– Na Elisa, faz muito tempo que não há vejo.

– Mas amanhã você vai vê-la… A noite podemos marcar de ir ao cinema.

– Pode ser depois de amanhã? Olha mãe, eu sei bem o que você quer, você quer se aproximar de mim… E eu também! E não estou fugindo de você, é que a Nanda, minha amiga lembra? – Minha mãe afirmou com a cabeça. – Pois bem, ela vai em uma boate amanhã, ela me chamou para ir com ela e umas amigas, então eu aceitei… Já que vou ficar aqui uma temporada, queria reviver minhas amizades e fazer novas… Tudo bem pra você?

– Sim, tudo bem, eu entendo… Aos poucos tudo se ajeita. – Ela se levantou e me deu um beijo de boa noite. – Te vejo amanhã no escritório, te amo.

– Até amanhã, mãe…Te amo.

POV ELISA.

– Pronto. – Atendi o telefone. – Sofia? Claro, recebo ela sim… Tá bom, beijo. – Desliguei o telefone, rapidamente e minha secretária entrou de imediato na minha sala.

– Elisa, aconteceu um problema na obra do shopping, eles estão com uma dúvida na maquete do MC Donald, teria como você analisar a maquete na sala de projetos?

– Tá, eu estava esperando por Sofia, a filinha da Carla, se caso ela chegar me procurando peça para ela entrar e me esperar.

Sai em direção a sala de projetos, realmente havia um erro, nada muito grave, mas que bom que foi descoberto, e assim foi resolvido.
Voltando para a sala encontrei uma morena linda na recepção.
Um corpo cheio de curvas, uma bunda maravilhosa, lábios carnudos, olhos castanhos bem escuros e cabelos da mesma cor levemente enrolados … Uma mulher maravilhosa.

A mulher sorriu para mim e eu retribui… Entrei na minha sala, que para minha surpresa estava vazia, o telefone tocou.

– Oi Clarice.

– Elisa, a Sofia está te aguardando, posso mandar ela entrar?
– Sofia? – Por um momento esqueci que teria que fazer esse favor para Carla, a imagem daquela morena me tirou o ar. – Claro, mande ela entrar.

– Ok.

A ligação foi encerrada, me ajeitei na cadeira à espera da adolescente.
E para minha surpresa aquela morena que tanto comi com os olhos na recepção entrou com um sorriso sacana.

– Bom dia Elisa.

– Bom dia… Me desculpe, mas, quem é você?

– Ora, ora. – Ela deu uma risada. – Pede para Clarice me mandar entrar e não me conhece?

– Sofia? – A mulher balançou a cabeça confirmando a minha pergunta. –  Nossa, você cresceu! – Ela soltou uma risada.

– É reparei que você me olhou por muito tempo. – Eu fiquei vermelha, afinal ela reparou meu olhar nela… Mas realmente ela está maravilhosa, gostosa… Gostosa demais. – Está ocupada ou podemos falar sobre o meu quarto?

– Claro, prometi para sua mãe que cuidaria de tudo para que você se sentisse bem e satisfeita.

– Sei que no final eu vou ficar bem satisfeita – Ela se sentou na minha frente.- Tem alguma ideia?

– Não, na verdade nenhuma, queria conversar com você, saber teus gostos, o que você gosta? – Ela me olhou com malicia. – Digo, gosta pro seu quarto… É, decoração. – Uma garota que tem idade pra ser minha filha adolescente me deixando nervosa… Puta que pariu. – Me entende?

– Perfeitamente, eu gosto de tudo… Mas queria cores mais discretas, meu quarto tem mais de mim com os meus 12 anos… Eu já não sou mais aquela criança.

– Sim, percebi. – Me toquei que estava olhando seu decote, resolvi falar de trabalho. – Bom, tem alguma ideia do que quer?

– Tenho, na verdade muita ideia do que eu quero… Podemos começar?

A reunião ocorreu de maneira tranquila (tranquilidade não é bem a palavra, Sofia me provocava até ao respirar… Bom, talvez isso seja coisa da minha cabeça).

Só poderia ser coisa da minha cabeça…

Voltei pra casa animada com os projetos do escritório, animada com a vida, com a minha conta bancária e com Sofia, digo… Com o projeto dela, não me entendam mal, ela é uma criança… É filha da MINHA MELHOR AMIGA, eu peguei essa garota no colo… Não posso.

 

Continua…

Parte 2

assinatura paula okamura.fw

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