O som das minas

Acredito no poder da música. No poder que a música tem de unir, curar, motivar e sobretudo salvar. Sabe aquele dia chuvoso em que a gente perde a hora, o ônibus vem lotado, a dor de cabeça lateja e o saldo bancário não ajuda? Então, é nessa hora que entra a música, como que um ritual ela vem preenchendo seus espaços até que tudo vai voltando novamente ao normal.

Ah, a música! A música já foi minha companheira em madrugadas insones, me curou de crises de ansiedade e me ajudou a entender muita coisa diante do caos instalado. E eu quero falar disso. Dessas músicas que salvam, que são casa para a gente, que alcançam algo intocável, que aquecem o coração. E é ai que entram as mulheres que fazem música. São muitas e como são maravilhosas e imprescindíveis. E agora mais do que nunca no momento histórico que vivemos no Brasil, nessa primavera linda das mulheres, é que eu quero falar sobre elas. Sobre nós. Sobre a arte que fazemos e com ela realizamos mudanças grandiosas.

Eu gosto muito de bandas femininas, de banda com vocalista mulher, enfim de mulher cantando, tocando, compondo, produzindo, resistindo e existindo nesse mundo machista e patriarcal. Como é lindo ver mulher no front. E resistir através da arte é mais lindo e empoderador ainda. A lista de mulheres maravilhosas é extensa e com certeza merece várias continuações desse texto. Porque falar de música é falar da vida, de amores, dores, desejos, anseios, medos, vontades e afins. Deixo para vocês, sem pretensão, algumas dessas lindas que com sua arte nos salvam desse mundo caótico e seus álbuns que eu mais gosto:

Joni Mitchell:

Considerada uma das maiores compositoras da história, a canadense Joni Mitchell teve de fazer algumas escolhas difíceis na vida. Aos 20 anos, engravidou na primeira vez que teve relação sexual, escondeu a gravidez de todos na universidade onde estudou e teve que dar a filha para a adoção. Baseada nessa experiência, ela escreveu a canção Little Green, que faz parte do disco Blue, um dos discos mais importantes da história. Recomendo o disco inteiro, é de uma beleza cortante e dolorida.

Tina Dico:

Aos 21 anos, fundou sua própria gravadora, para fugir da ganância mercadológica dos grandes selos, que queriam vendê-la como a nova Dido (alguém lembra dela?). Após ter fundado sua gravadora, passou a achar que a vida na Dinamarca, sua terra natal, estava “confortável demais”, e que ela precisava crescer. Mudou-se para Londres e lá, gravou seu segundo álbum, Notes, um disco que descreve com minúcia poética a solidão e as dificuldades que ela enfrentava na cidade cinza. Eu recomendo particularmente a música Break of Day, que é uma reflexão amadurecida sobre relacionamentos.

Kaki King:

Foi a primeira mulher eleita uma deusa da guitarra pela revista Rolling Stone, divindo o panteão com gente como Jimi Hendrix e Eric Clapton. Suas músicas têm som de “casa”, um acalanto em formato de som. Seus dedilhados intrincados no violão parecem mágicos e impossíveis de fazer. Além de tudo isso, em suas músicas cantadas, sua voz parece incrivelmente frágil e por vezes, até infantil. Parece ser um contraste proposital com a força de seu violão. Embora minha música favorita seja Lies, do disco Legs to Make Us Longer, eu recomendo todo o disco Dreaming of Revenge. É uma introdução mais fácil à sua música.

Esperanza Spalding:

Uma das pessoas mais jovens a ser professora da renomada Berklee College of Music, aos 20 anos, Esperanza Spalding veio de uma cidade pobre e violenta. Filha de mãe solteira, começou seus estudos de música tocando violino, mas apaixonou-se de fato pelo contrabaixo. Estadunidense de descendência hispânica, sempre teve fascínio pela música latina, em especial, brasileira e espanhola. Sua versão de Samba em Prelúdio, do Baden Powell, cantada em um português que beira a perfeição, passa um vazio e solidão desconcertantes, mas ao mesmo tempo, aquecem-me o coração ao ponto das lágrimas. É muito difícil escolher um álbum ou música específicas dela, mas, além da música que já citei, recomendo muito o clipe I Can’t Help It, cover de Michael Jackson. Os discos Esperanza e Radio Music Society são boas formas de conhecer o trabalho espetacular dela. É considerada uma das melhores baixistas da atualidade, uma das “salvadoras” do Jazz e, para finalizar, abocanhou o Grammy de artista revelação no mesmo ano em que Justin Bieber havia sido indicado.

>> https://www.youtube.com/watch?v=kNNVaMJJL9g

Karina Buhr:

Não poderia deixar de incluir uma artista brasileira na lista.  Nascida em Salvador, mas criada no Recife, Karina Buhr tem um currículo extenso. Realizou um trabalho muito interessante com a banda Comadre Fulozinha, ganhou o Prêmio Shell de melhor trilha sonora, com a companhia Teatro Oficina Uzina Uzona, da qual foi integrante. É desenhista, poetisa, cantora, musicista, atriz e feminista militante. Ela é frequentemente vista cantando em ocupações, militando também com sua música. Seus discos solo são sensacionais. É uma espécie de pop experimental com letras maravilhosas. Aliás, a Karina é uma letrista de mão cheia. Suas canções são poesias de versos simples e poderosos, de sonoridade refinada e particular. A beleza contida na simplicidade dos versos de Vira Pó, música de seu primeiro disco, Eu Menti Pra Você, de 2010, é cativante de forma singular. O jogo de palavras, combinado com a batida pop e rodeado de sonoridades cheias de efeitos dos instrumentos não convencionais que a acompanham, resultam em uma combinação poderosa. É muito difícil escrever tão bonito usando palavras tão comuns, mas isso a Karina tira de letra. É uma mulher de simplicidade mágica.

assinatura fernanda.fw