POR TODA VIDA – PARTE 2

POV GIOVANA

– Pode ir lá se quiser Gio, eu vou entender. – Lilian dizia em um tom de voz desanimado. E eu sei bem o porque.

– De modo algum, eu estou bem aqui… E você, está bem?

– Acho que sim, essa catuaba de açaí é realmente boa.

– Você não está maneirando na bebida, Lili, vai com calma. – Disse.

– Irei… Mas isso realmente é bom. – Olhei desconfiada. – O que foi?

– Você está fazendo sucesso com os garotos… Você se arrumou muito hoje, foi por alguém em especifico? – Perguntei.

– NÃO! – Ela respondeu quase em um baita grito.

– Calma, tudo bem. Não tem problema algum se tiver se produzido para alguém em especifico… Isso é normal. – Fixei bem meus olhos nela, e segurei nossas mãos em gesto de amizade. Eu não sou amiga de Lilian há tanto tempo como Amanda. Mas, eu consigo imaginar bem o que se passa dentro do coração dela. Não que ela não seja discreta, ela é bem discreta. Tanto que se não a escola inteira estaria falando. Acho que só eu percebi que Lili não é fã de garotos e por mim, tudo bem ela não gostar. Ela é uma pessoa incrível e muito leal às suas amizades. E é isso que devia ser o importante. Como ela nunca se abriu comigo sobre isso, preferi deixar subentendido. – Me entende, Lili? Isso é normal.

– Tututudo bem. – Ela gaguejou.

– Não precisa ficar nervosa, e não se preocupe, tô achando essa festa um saco tanto quanto você. Por favor me faça companhia, ok? – Tentei distrai-la.

– Obrigada, Gio.

POV LILIAN

As horas se passaram e foi uma mistura de tédio com constrangimento.

Lucas, o gordinho da escola, pediu para ficar comigo. Eu não fiquei obviamente, mas não é por ele ser o gordinho da nossa sala ou coisa do tipo. Eu não fiquei com ele porque eu não gosto de garotos. Se o que até semana passada era apenas uma suspeita, depois do beijo treino que Amanda me deu, virou certeza. Mas fui bem educada com o Lucas, até porque ele foi mais homem do que todos os meninos que pediram para ficar comigo. Ele pelo menos teve coragem dele mesmo vir até a mim trazendo um guaraná, conversar tranquilamente por quase uma hora e ele mesmo perguntar.

Claro que ele foi um pouco zoado quando os meninos perceberam que a minha resposta para ele também foi não. Mas, qual moral a turma tinha para falar? Dos sete que estavam zoando, cinco pediram para alguém chegar em mim e os cinco levaram não.

Amanda grudou com as amiguinhas dela, vez ou outra ela passava por nós (eu e Giovana). Já é quase meia noite, e por mais que meus pais tenham me dado carta branca para chegar quando eu quiser, eu já quero o meu travesseiro e meu cobertor.

– GALERA! – Henrique gritou.

– Como a maioria da turma, os bebezinhos já tiveram que ir embora. Bora fazer verdade ou desafio! Quem topa? – Todos começaram a gritar. – Beleza, façam um circulo que vou pegar uma garrafa pra rodar e uma cerveja para mim.

– Lili, você vai brincar? – Giovana me perguntou baixinho.

– Melhor não, eu vou ficar só olhando mesmo.

– Se importa se eu brincar?

– Claro que não, Gio! E vai que você consegue beijar o Pedrinho.

– Como você sabe que eu gosto dele?

– Saber que você gosta, eu estou sabendo agora. – Falei rindo. – Mas, a noite toda ele ficou te olhando, não procurou nenhuma garota para ficar e você também não parava de olhar para ele… Acho que vai ser fato que se você escolher desafio alguém vai te falar para beijar ele.

– Tomara! – Caímos na risada.

– Vai brincar não, Lilian? – Os meninos perguntaram.

– Não galera, eu vou ficar mais olhando mesmo.

– Você é o tédio em pessoa hein, Lilian? – Beatriz amiguinha da Amanda falou.

– Cada um faz o que quer Beatriz, se você quer brincar, brinque e pronto. – Giovana me defendeu na frente de todo mundo.

– Uiii podia ter dormido sem essa! – Lucas falou, fazendo todos rirem. – Bora então. Gente, cadê o Henrique?

– Foi buscar cerveja para ele e uma garrafa para vocês jogarem.

– Acho que não é só isso não… A Amanda também não está por aqui. – Poliana, uma outra amiga da Amanda disse fazendo todos rirem. Todos menos eu.

– Eu vou atrás dele, dizer que vocês estão esperando. Já volto, Gio.

– Tá bom miga.

Sai caminhando pela casa, ou a casa é bem confusa ou a catuaba já tá me fazendo um estrago. Nada de Henrique ou Amanda em nenhum lugar da casa. Fui procurar na garagem onde também tinha bebida e levei um belo soco no meio da cara.

Amanda aos beijos com Henrique, eu não sabia o que fazer, eu só queria sair dali e como sou estabanada. Derrubei uma garrafa que quebrou na hora.

– Opa! – Henrique disse levando um susto.

– Dedesculpa, Henrique. – Mais uma vez gaguejei… Maldita gagueira que vem quando fico nervosa.

– Tudo bem, gatinha, você está bem? – Ele perguntou todo preocupado vendo a tonalidade de minha pele.

– Sim, desculpa atrapalhar mas a galera que vai jogar está esperando.

– Você não vai? – Ele perguntou enquanto juntava os cacos no chão.

– Não.

– Ok, vou indo… Amanda, você vai jogar?

– Claro!

– Beleza, gata. – Ele deu outro beijo nela e saiu.

Amanda ficou me olhando esperando alguma reação. Como não disse nada, ela passou por mim. Mas segurei seu braço.

– Posso falar com você? É rápido.

– Fala, Lili. – Ela parecia estar nervosa.

– Vocês estão namorando?

– Não, foi só uns beijos… O Henrique é lindo, eu sempre quis ficar com ele.

– Quem beija melhor, eu ou ele?

– Xiiuuu, tá louca? – Ela me empurrou para dentro da garagem. – Já falei que não é para falar em voz alta esse lance!

– Desculpa, eu só queria saber… Pode me responder?

– Lili. – Ela se aproximou calmamente. – Não me leva mal, você é minha amiga de infância e ainda é… Mas, não dá nem para comparar. O beijo do Henrique foi… foi valendo! O outro beijo, para mim não foi um beijo, não significou nada, entende? Fora que o que aprendemos na catequese, na crisma… Na missa todos os domingos é que coisas desse tipo é pecado. Eu não sou um monstro e nem você, não é mesmo? – Ela terminou de dizer e eu fiquei paralisada. – Não é mesmo?

– Pode me fazer um favor quando entrar? – Ela ficou parada me olhando com os braços cruzados. – Diga para Gio que eu decidi ir.

– Não vai chamar seu pai? – Ela perguntou curiosa.

– Não. – Saí andando.

– Lilian! É quase uma da manhã até sua casa a pé vai ser uns trinta minutos, moramos em um vilarejo o caminho tem mato, é perigoso. – Ela praticamente gritava comigo.

– Chego rápido.

– Teimosa. – Foi a única e última coisa que escutei da boca de Amanda enquanto me retirava de lá.

Fui andando calmamente, chorando pelo caminho todo.
Sete dias depois.

– Filha, posso entrar. – Meu pai apareceu na porta.

– Claro, pai.

– Você está bem?

– Tô sim, pai.

– Olha, eu sei que não está… Sei que você mentiu para mim no domingo, você não veio de carona com ninguém. Você não me ligou, e veio no perigo na madrugada. Mas, não vou brigar com você por isso. Imagino que aconteceu alguma coisa… Você não está bem. Estive pensando, se quer pescar esse fim de semana? Podemos ir amanhã.

– Tudo bem, acho que vai ser bom.

– Pelo menos respirar novos ares, será bom, podemos acampar, comer peixinho fresquinho… Levamos um carregamento de doce e eu deixo você escolher o filme para assistirmos no notebook, ok?

– Obrigada, papai.

– Obrigado você por ainda gostar do seu velho pai… Até amanhã querida.

O dia amanheceu, minha mãe nem questionou, entramos no carro com toda as tralhas e fomos para o lago, que carinhosamente chamamos de nosso lago.

Assim que chegamos armei nossa barraca, meu pai foi arrumar as varas e as iscas. E depois de um lanche, entramos no lago… Preferi ficar em silêncio, meu corpo está pesando mas, minha cabeça está uma confusão. Um turbilhão de sensações dentro de mim.
– Merda de peixe! – Joguei o peixe de volta na água com toda fúria.

– Ei ei ei… Calma aí mocinha, o peixinho não tem culpa do seu problema. – Meu pai disse tentando me acalmar.

Fiquei em silêncio por mais algumas horas, e meu pai respeitou minha postura, até que resolvi falar.

– Eu gosto de meninas. – Falei em voz alta e de maneira clara. Meu pai me olhou, tirou a isca do lago e ficou parado me olhando. – Eu sou gay pai.

Ele se aproximou com a maior calma do mundo.

– Tudo bem, querida. – Ele se sentou na minha frente. – Eu também gosto de garotas. – Ele sorriu me deixando surpresa.

– Não vai me bater? Me expulsar de casa?

– Não. Porque faria isso?

– Eu acabei de dizer que sou gay!

– E está tudo bem você ser gay! Olha, eu sei que isso para você pode ser um pouco absurdo, você cresceu nessa cidade, com essa sociedade e com pessoas apontando o dedo para as outras o tempo todo! Mas, nem tudo o que eles dizem é certo. Na verdade, falar da vida dos outros não é certo.

– Mas a mamãe.

– A mamãe provavelmente não vai lidar muito bem com essa informação, mas e dai? Não querendo desvalorizar ela, mas eu estou do seu lado! Eu posso estar literalmente do seu lado se você achar que deve contar para ela.

– Pai…

– Largue essa vara aí e sente mais próxima de mim. – Ele pediu e assim eu fiz. – Olhe nos meus olhos, Lilian. Filha eu te amo, a única coisa que eu quero nessa vida é te ver feliz, e se você vai ser feliz com outra mulher e não com outro homem por mim tudo bem. E se for uma fase tudo bem também! E se não for uma fase, tudo bem também… Para mim, o que importa é se a pessoa que você escolher, se essa pessoa vai te amar, te respeitar e cuidar de você.

– Obrigada, papai. – Abracei-o bem apertado.

– Se sente melhor querida? Era por isso que você estava agindo como quem estivesse com raiva do mundo?

– Mais ou menos isso.

– Hum, entendi… Você está apaixonada… Por uma outra garota. É isso?

– Sim.

– Ela sente o mesmo?

– Não… Chego a achar que ela me despreza.

– Ei! Desprezo é uma palavra muito forte, meu amor. Bom, você já disse para ela como você realmente se sente?

– Dizer na lata, isso não.

– Então tente! Às vezes é reciproco.

– Mas e se não for reciproco, pai?

– Se não, vai doer… Ai você me procura e vou tentar te fazer sorrir a todo o custo. – Ele me abraçou apertado. – Sempre estarei com você, minha princesa.

Conversei muito nesses dois dias com meu pai, ele se mostrou um parceiro, é muito difícil nessa fase dizer isso mas, definitivamente meu pai, é meu melhor amigo. Decidi ainda não falar para minha mãe. E quando isso acontecer obviamente vou pedir para meu pai estar por perto, porque tenho certeza que ela vai tentar me matar.

Segunda feira, eu fugi da Amanda e consequentemente da Giovana, eu sei que a Gio não tem culpa das minhas confusões internas e nem com o meu amor platônico por Amanda, mas, preciso me afastar.

– Até que enfim te achei pelos corredores! – Giovana me encontrou saindo da aula de espanhol.

– Oi, Gio. – Falei toda sem jeito.

– Oi! Saudades de você! Meu Deus parece que não te vejo faz anos! Porque foi embora da festa? Não se sentiu bem? Passou mal de tanta catuaba?

– Não foi isso, estava tarde e preferi ir embora. Me desculpa por não me despedir de você.

– Tudo bem, Amanda passou o recado.

– Legal.

– Falando nela, olha, eu sei o que você deve pensar… Que eu meio que sou pau mandado dela mas não sou, eu realmente gosto muito da Amanda e acho que esse projeto de Regina George que ela está no momento é passageiro. Você mais do que ninguém conhece ela bem e sabe que ali existe uma boa pessoa.

– Eu não te acho pau mandado dela… Até porque, que moral eu teria para achar isso de você.

– Bom, ela pediu para te encontrar e dizer que sente saudades.

– Sério? – Disse com sarcasmo.

– Sim, ela disse que está com saudades de nós.

– É, fiquei sabendo que você está mais com uma galera aí… São legais, são seus primos, não é?

– São sim, um dia você deveria lanchar com a gente, eles são bem legais.

– Claro, vamos marcar sim.

– E sobre ela?

– Olha Gio, não me leve a mal, mas avisa para ela, que se ela está com saudades de mim, que ela me procure então.

– Tudo bem, darei o recado… Bom te ver.

POV AMANDA.

– Gio! Gio! – Corri atrás dela na saída de aula.

– Oi, Amanda.

– Encontrou com a Lili por ai?

– Sim, dei seu recado.

– E ela?

– Ela disse que se você sente saudades, que você procure.

– Que topetuda!

– Eu acho que ela está coberta de razão… Você não tem sido uma boa amiga ultimamente. Mas, sinto saudades de nós três. Eu vou estar amanhã na quadra.

– Até mais, Gio.

– Até, miga.

Eu gosto das minhas novas amigas, elas me fazem ser notada, convidada em festas e bom, eu me soltei mais desde que as conheci.

Me sinto tão diferente, tão distante da Lilian, porque ela não pode ser amiga das meninas quanto eu? Seria perfeito. Depois desse tapa na cara, realmente acho que não tenho sido uma boa amiga para ela. Sinto falta de sair por ai com ela, de andar de bicicleta, de fazer piquenique ou maratona de filmes.

Eu vou falar com ela.

Sei bem onde encontrá-la… No fundo da sua casa, lendo um livro ou jogando algo. E lá está ela… Linda de cabelos presos, short curto e um top treinando arremessos na cesta de basquete. Totalmente linda. Ela é a garota mais linda que já conheci e beija tão bem. Me sinto tão culpada por ter esses pensamentos na minha cabeça, pena ela não ser um menino. Seriamos um casal tão incrível.

– Vai ficar me olhando até quando? – Ela me perguntou séria.

– Achei que não tivesse notado minha presença. – Me aproximei.

– Pelo visto recebeu meu recado.

– Porque está me tratando assim? Porque sumiu há quase duas semanas, nem parece que somos vizinhas!

– Tem certeza que não sabe?

– Lili, eu sinto sua falta.

– Achei que só sentia falta da sua amiga Beatriz.

– São grupo de amizades diferentes, Lili, eu queria muito que você fosse amiga delas, mas desde que elas entraram aqui você só sabe dizer o quão fúteis elas são e elas o quão nada a ver você é. Tem algum jeito de unir vocês?

– De jeito nenhum.

– Ok, eu desisto… Eu vim até aqui porque queria passar uma tarde com você e com a Gio, ela aceitou, o que você me diz?

– Só nós três? – Ela me perguntou desconfiada.

– Juro que sim. – Cruzei meus dedos e beijei-os.

– Estarei lá. – Ela voltou a jogar como se eu não existisse.

– Ótimo! Até amanhã a tarde.

– Até, Amanda.

 

Continua..

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.