POR TODA VIDA – PARTE 3

No dia seguinte.

– Vai, time! –  Gritei e bati palmas.

– Para de gritar, está me atrapalhando a ler. – Lilian reclamou. – Nem é gol de nenhum dos times.

– Ai como você é chata, Lili! Deveria estar fazendo o mesmo. Solta esse livro!

– Para que? Hein? Para te ver gritando por um monte de garotos sem cérebro! Era a nossa tarde, foi isso o que você disse para mim e para Giovana. – Lilian estava totalmente irritada.

– Mas está sendo! Só nós três, não é, Gio? Olhei para os lados e ela não estava. – Ué.

– Está vendo que nem prestar atenção em nós você prestou!

– Para de reclamar, cadê a Gio?

– Saiu há quase uma hora para buscar uma prima dela que vai passar um tempo por aqui. Disse que volta, para não me deixar aqui sozinha.

– Ótimo.

– Quer saber? – Lilian se levantou. – Tchau, Amanda.

– Onde você pensa que vai?

– Onde eu penso que vou não! É onde eu vou! Eu vou embora daqui, perdi minha tarde fazendo merda nenhuma!

– Calma aí, meninas. – Gio apareceu acompanhada de uma moça da nossa idade, uma loira muito bonita. – Gente essa é a Debora, minha prima lá do Sul ela vai passar um tempo aqui, vai estudar na nossa escola!

– Oi, meninas! – A garota disse toda animada.

– Oi, seja bem vinda. – Disse. – Me chamo Amanda.

– Oi, Amanda. – Ela disse olhando para a Lilian atentamente.

– Sou Lilian, bem vinda. Já sabe de qual turma vai ser?

– Vou ser da turma A, qual é a sua turma?

– Sala A também. Estudaremos juntas, então.

– Nossa, isso é ótimo! – Debora sorria abertamente. – Já li esse livro que está na sua mão, é maravilhoso… Além de linda, Lilian tem um belo gosto para leitura. – Ela disse se aproximando de Lilian.

– Obrigada! Você é muito gentil. – As bochechas de Lilian pareciam esquentar e as minhas também mas não por timidez, e sim, de raiva.

– Se quiser andar comigo e com sua prima na hora do intervalo, fica à vontade. – Disse tentando quebrar o flerte.

– Acho que já achei com quem eu quero me enturmar. – Debora não parava de olhar para Lilian. Espera ai! Ela estava dando em cima da Lilian descaradamente? Sem se importar de estar do lado da prima dela ou do meu lado. Que menina folgada… Que puta!

– Bom, vocês tem muitas coisas em comuns! – Gio disse animada.

– Estou vendo! – Lilian sorriu abertamente. – Mas eu realmente estou indo, já perdi muito tempo aqui.

– Mas já? – Debora perguntou.

– Já. – Lilian me olhava fixamente. – Gio, obrigada pela companhia… Vamos marcar de comer um dia desses juntas, ok?

– Claro, miga.

– Debora, prazer te conhecer, seja bem vinda e até segunda na escola então.

– Pode deixar, Lilian, até segunda.

– Até mais, Amanda.

– Até. – Eu queria que Lilian ficasse, eu queria mesmo. Sei lá ficar gritando ou mexendo no celular não foi por mal, foi uma coisa que simplesmente aconteceu, a Beatriz me chamou dizendo que precisa contar uma fofoca, o papo ficou interessante, apenas isso! Mas, decidi não pedir para ela ficar, primeiro porque está visível que ela está brava, segundo porque se ela ficar essa folgada da Debora não deixará ela em paz e eu não sou obrigada a aguentar isso.

Três dias depois.

– Então eu falei para ele que só aceitaria se ele me pedisse em namoro de joelhos na frente da escola toda com um anel lindo. – Beatriz falava besteiras e eu não estava nem ai. – Amanda, AMANDA não vai me falar nada?

– Que legal, Bia.

– Eu estou falando que levei um fora do André porque eu exigi um monte de coisas e você fala que legal?

– Ai, desculpa. Estou com a cabeça longe.

– Amanda, você está estranha, não presta atenção em nada, só sabe olhar para aquela sua amiga bem estranha e a novata que está andando com ela… Outra estranha por sinal.
– Eu vou até o banheiro, nos vemos na sala. – Me levantei.

Sai em direção ao banheiro, precisava sair dali. Debora grudou de tal forma na Lilian que chega a me dar ânsia de vomito.

Horas depois.

POV LILIAN

– Oi. – Amanda apareceu do nada no meu quintal.

– Ai que susto, Amanda! – Estava treinando chute.

– Posso falar com você? – Ela se aproximou.

– Diz.

– Eu só quero te avisar sobre aquela garota novata, a Debora. Ela vai te colocar em uma furada ainda naquele colégio.

– Do que você está falando? – Parei de chutar.

– Do fato dela te comer com os olhos e dar em cima de você constantemente desde que ela te viu quando chegou aqui na cidade. Lilian, ela não faz a mínima questão de fingir. Daqui a pouco o colégio inteiro vai achar que você é sapatão.
– Lésbica.

– Tanto faz, lésbica ou sapatão. Mas entende que as pessoas não estão preparadas para isso?

– Não é a minha obrigação as pessoas estarem preparadas ou não para o que eu realmente sou, Amanda.

– Como assim?

– É isso que você ouviu. Sou lésbica, sapatão, gay ou qualquer nome que você descobrir, eu sou.

– Você está falando sério? – Ela parecia não acreditar.

– Estou.

– Seu pai vai te matar! Falando nisso cadê seu pai e sua mãe?

– Foram na cidade fazer compras, e ele já sabe.

– O que? Você contou? Você está louca?

– Eu estou bem, obrigada por se preocupar.

– Você contou para ele de nós?

– Que nós? Não existe nós, nunca existiu e foi exatamente isso que você jogou na minha cara. Sendo assim, não há nada para contar.

– Lilian eu… Sinto muito.
– Não precisa sentir nada, Amanda, eu não estou doente. Eu só descobri minha sexualidade!

– Eu sinto muito porque, sinto que você está magoada comigo. Eu não queria que as coisas fossem assim.

– E você queria que fosse como, Amanda? Hein? Me diz! Sabe, desde pequena quando falávamos de sermos vizinhas até ficar velinhas. Eu concordava, mas no fundo. Eu queria ser jogadora de futebol e ter você como a mãe dos meus filhos! Desde que eu me entendo por gente eu sou apaixonada por você! – Joguei a bola longe. – Aí nós crescemos e parecemos duas estranhas, que vivemos na amizade do passado! Você é minha amiga pelo o que fomos quando crianças. Você não gosta de mim!

– Lilian é claro que eu gosto! – Ela tentou se aproximar e eu me afastei.

– NÃO GOSTA, NÃO! – Gritei descontrolada. – Amanda meu primeiro beijo foi com você e você nem imagina quanto eu sempre quis isso. Quantas vezes eu imaginei nós duas de mãos dadas por ai. Acampar com você, de fazer piquenique na cachoeira. Cuidar de você, te dar todo meu carinho, meu amor por você e para você. Imaginei tudo aqui ó. – Apontei para minha cabeça. – Amanda, você nunca percebeu? Nunca, nunquinha? Quando a gente se beijou, eu te beijei com todo meu coração! Para dias depois te ver atracada com outro na garagem de uma festa. E você me tratou com tanta frieza. Eu sinto todo esse sentimento sozinha. E só eu sei como dói.

– Lilian eu… Eu estava bêbada, eu não me lembro de ter te tratado mal. Eu não sei o que te falar.

– Não fala mais comigo, Amanda. Por favor me erra… Sai da minha casa. E se eu posso te dar um conselho, fica longe de mim pra ninguém achar que você é… Sapatão. Porque eu sou uma aberração e não quero você por perto por pena ou por qualquer tipo de coisa. E volto a afirmar, por mim, fique tranquila, da minha parte nunca ninguém vai saber que o meu primeiro beijo foi com você. – Comecei a chorar, é uma sensação libertadora, dizer em voz alta para alguém que não seja meu pai, quem eu realmente sou e o que eu realmente sinto. Mas também sei que essa liberdade me custará caro demais, eu e Amanda jamais seremos as mesmas. Nunca mais voltaremos a ser. Toda vez que ela me ver, ela vai se lembrar de como eu sou trouxa por ela e como eu imaginava uma vida ao lado dela.

– Lilian…

– Sai… Por favor, apenas vai embora. Fica longe de mim. – Ela saiu sem dizer mais nada. Meu coração se partiu no meio.

– Lilian. – Minha mãe apareceu na porta da cozinha. – Entre por favor.

Minha mãe agiu calmamente, então suponho que ela não escutou nada. Entrei pensando que ela precisava de minha ajuda para guardar as compras. Limpei o rosto e fui na esperança dela não desconfiar do meu choro.

Quando entrei meu pai estava branco, veio correndo para meu lado e me abraçando forte.

– Amor… Calma. – Meu pai pediu enquanto se aproximava de mim. – Fica calma querida eu não vou sair de perto de você

– Que Calma! Que calma, Gustavo! – Ela andava de um lado para o outro da casa. – Essa garota acabou com a minha vida! Destruiu nossa família, nossa reputação o que os outros vão dizer! O que meus amigos vão falar da minha filha macho! Você beijou uma garota! Eu vou te matar!

– Não vai encostar um dedo na nossa filha! – Meu pai entrou no caminho dela. – Pelo amor de Deus se acalma! Renata se controla!

– Eu vou levar essa menina no padre, ele vai exorcizar ela!

– Você não vai levar ela em lugar nenhum! Ela é uma adolescente se descobrindo o que isso tem de errado, Renata, pelo amor de Deus?

– Você sabia! Ela disse para aquela vadiazinha que você já sabe! –  Minha mãe avançou no meu pai dando socos nos ombros dele.

– Eu sei sim e tem pouco tempo! Nossa filha precisa de nós! Ela só me contou isso. Me contou que estava triste e apaixonada, mas não me disse por quem. Ela ainda é a nossa filha, Renata! E aquela vadiazinha é como uma segunda filha para nós! Cuidamos dela quando era um bebê e a mãe dela morreu, não fale assim da Amanda, está claro que a menina está confusa. Para de me bater, calma!

Os meus pais brigando na minha frente, por minha causa. Minha mãe agredindo ele enquanto ele tenta a impedir de encostar em mim. Eu estou em estado de choque, eu queria correr mas não sentia minhas pernas, eu não sentia nada. Muito menos forças para falar alguma coisa.

– Eu vou até a dona Ursula, ela tem que dar um jeito na neta dela!

– NÃO! – Abri minha boca. – Deixa ela em paz, ela não tem culpa de nada!

– Ah, mas para isso você tem boca não é mesmo? – Ela parou de bater no meu pai e veio até a mim.

– Vocês escutaram tudo?

– Quase tudo, acho que a maioria das coisas. – Meu pai segurou minha mão.

– Pois bem! Se escutaram, escutou inclusive a parte de que eu fantasiei tudo na minha cabeça. Amanda nunca me olhou da forma que eu olhei para ela. Nunca, por favor, mãe. Deixa ela em paz.

– Não me chame de mãe! – Ela se aproximou mais rápido do que pude prever, e me deu um tapa. – Amanhã vou te levar para o padre, sua aberração!

– CALA A BOCA, RENATA! Nossa filha não é o demônio! Você preferia o que hein? Preferia que ela fosse uma pessoa de caráter ruim? Que machucasse outras pessoas.

– Honestamente eu preferia, Gustavo!
– Você me enoja Renata, eu nunca esperei essa postura vindo de você.  – Ele me abraçou forte. – Sabia que você não receberia bem a notícia, mas, isso já está passando dos limites.

– Eu vou me deitar. – Minha mãe se manifestou. – Lilian não dorme nessa casa.

– Você não tem esse direito! – Meu pai gritou com ela.

– Ah eu tenho sim, essa casa é da minha família. Não sua. Essa casa está no meu nome e eu me recuso a dormir com essa aberração aqui.

– Renata, eu não vou admitir. – Segurei meu pai pelo braço.

– Pai, eu durmo na garagem, não tem problema.

– Filha. – Ela fez um carinho no meu rosto. – Você não precisa passar por isso. Renata, ela é nossa filha!

– Se ela dormir, vai ser por pouco tempo, amanhã eu acordo e vou até a policia, faço um boletim de ocorrência e mando ela para algum internato.

– Eu prefiro, pai, o sofá que fica lá nos fundos é confortável, o da garagem, você sabe bem quanto eu gosto daquele lugar não será um problema.

– Eu já vou até a garagem, vai indo, querida. Vou conversar com a sua mãe.

– JÁ FALEI QUE NÃO SOU MÃE DESSE MONSTRO! – Escutei minha mãe gritando enquanto eu saia.

Deixei os dois lá dentro, a casa em completo silêncio. Em menos de uma hora minha vida deu uma volta maior do que 360 graus.

A garota que eu gosto sabe que eu gosto. Minha mãe sabe que sou gay. Meu mundo acabou.

Trinta minutos depois meu pai apareceu me trazendo cobertor, roupas e comida.

– Ei, princesa. – Ele tentou esboçar um sorriso. – Sinto muito por tudo. Olha, eu não vou te deixar ir para tratamento religioso ou coisa alguma.
– Pai, se ela quiser eu vou.

– Jamais! Não tem nada de errado em você ser gay, isso não é demônio, não é doença! Olha, desde que você me contou eu andei pesquisando sobre o assunto. E cada vez mais eu vejo que isso não é escolha.

– Eu não quero acabar com o casamento de vocês, vocês brigaram feio por minha culpa e eu sei que se continuar assim vocês vão acabar se separando.

– Não se preocupe conosco. Somos adultos e vamos nos entender… Eu não sabia que era a Amanda, na verdade depois que você me disse eu até desconfiei, só não sabia que já tinha acontecido um beijo… Foi só um? – Ele perguntou curioso, provavelmente tentando me fazer esquecer do acontecido com a minha mãe.

– Foi.

– Sinto muito por você não ser correspondida. – Ele me abraçou. Vi pela conversa de vocês, que você está bastante machucada com isso… Quer conversar sobre?

– Não, pai… Foi aquilo que você ouviu mesmo.

– Está bem. Quer conversar sobre sua mãe? – Balancei a cabeça em um categórico não. – Coma alguma coisa.

– Estou sem fome.

– Filha por favor coma, nem que seja metade. É pizza! Sua pizza predileta e está bem recheada. – Peguei um pedaço e mordi. Meu pai sorriu aberto. – Isso ai, garota.

– E agora, pai?

– Bom, se sua mãe continuar com essa postura, eu não sei. Eu estou torcendo para ela ter uma boa noite de sono e acordar melhor.

– Eu estou com medo dela.
– No seu lugar, eu também ficaria. Olha, aqui tem sua roupa para você ir para a escola amanhã. Você acorda veste e vai. Chegando lá estuda direito, toma banho no vestiário. E se caso ela aparecer por lá, não vai com ela. Me liga antes e quando você quiser ir embora, pega sua bicicleta e vai lá para a madeireira. Fica lá comigo, se quiser.

– Eu quero, eu não quero ficar sozinha.

– Então fica combinado assim. Olha, essa chave é a desse cômodo. Fica com você. Tranque bem assim que eu sair. Seu telefone tem bateria? – Afirmei com um gesto. – Me liga se precisar, a qualquer hora. – Ele me deu um beijo na bochecha e foi saindo.

– Pai. – Chamei sua atenção. Ele se virou. – Te amo.

– Eu te amo, filha. Descanse.

Continua..

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