POR TODA VIDA – PARTE 1

POV URSULA.

Em 1996

– Meninas! Meninas! Pelo amor de Deus, não vão longe hein! Amanda, Amanda, está me ouvindo, né menina?

E as duas meninas sumiram em suas bicicletas, por Deus como Amanda e Lilian tem tanta disposição?

Eu amo minha neta mais do que tudo nessa vida, eu torço para que ela seja como minha filha, sua mãe. Minha filha faleceu em um acidente de carro quando minha neta tinha apenas um ano e quatro meses. Foi a maior tragédia da minha vida, a maior dor no meu coração.

Mas existem coisas que nos confortam. Durante todo o velório e enterro, eu me anulei de todas as minhas responsabilidades. Amanda, ficou para minha vizinha, Renata mãe de Lilian, cuidar. E assim foi por quase uma semana. Eu me afundei, não tive coragem de ir ver minha neta. Mas, quando me senti voltando a respirar, busquei Amanda e aquela pergunta que martelava em minha cabeça durante dias desde a tragédia se findou: “O que será da minha vida agora? Que sentido ela terá?”. Olhando para aquela menininha de cabelo cor de mel e olhos negros eu entendi. Minha vida seria para ela… E desde então é assim.

Hoje, Amanda tem oito anos, é cheia de saúde. Cheia de alegria, é uma mini cópia da mãe. Espoleta que só! Todo dia é assim, acordo cedinho passo o café. A van passa e busca as crianças para levar para a escolinha. Ela chega cheia de fome e energia. Come apressada, troca de roupa, pega a bicicleta e espera Lilian aparecer para sair por aí. As duas são como unha e carne, se tratam como irmãs e isso é lindo.

POV AMANDA

– Vamos, Lili! Como você está lenta hoje! – Encostei a bicicleta na pedra e me encostei.

– ESPERA AI! Eu odeio subida de morro! – Lili parece que vai desmaiar de tão vermelha que tá.

– Tá engraçado você com língua de fora parece o Sião, o cachorro do seu pai. – Falei rindo alto.

– Ei! Eu não sou um cachorro! – Lili sempre ficando magoada a toa. Mas é bom tirar sarro da cara dela.

– Cachorrinha.

– Para! Eu estou chegando, poxa!

– Cachorrinha, cachorrinha, cachorrinha. – Fiquei dançando enquanto Lili se aproximava rapidamente. – Pronto! Viu, só? Nem demoramos.

– Ainda bem que para voltar é só descida!

– Preguiçosa… Um dia vamos ser gente grande, vamos ter um carro e vamos vir aqui todos os dias.

– Quem conseguir o carro primeiro, traz a outra. Ou seja, eu vou te trazer.

– Porque acha que você vai ter um carro primeiro que eu?

– Porque jogadores de futebol ganham muito dinheiro!

– Vai se casar com um jogador de futebol?

– NÃO, NÉ? Eu vou jogar futebol, vou ser jogadora!

– ECA! ECA, LILI! Só meninos podem jogar futebol!

– É MENTIRA!

– NÃO! Não é! Quem joga futebol é menino! – Lili fechou a cara, e ficou quieta olhando para os lados. – Eu trouxe bolo de chocolate, minha avó que fez. Cê quer? – Ela virou o rosto. – Não briga comigo, Lili! Chocolate é seu sabor predileto. – Ela não se mexeu. – Não vai comer? Eu vou chorar, então!

– NÃO! NÃO CHORA AMANDINHA, eu tô aqui eu não estou brava, eu vou comer. – Ela me abraçou. – Promete não chorar?

– Prometo.

Era sempre assim, se Lili não fizesse o que eu queria, eu fazia cara triste e ela dava o braço a torcer. Lili é minha melhor amiga, eu gosto muito dela, de estar com ela. Sei que é com ela que vou ficar a vida toda. Já imagino nossa casa, a minha toda rosa do lado da casa azul dela. Ela vive dizendo que quer uma casa azul.

– Mandinha. – Lili me chamou a atenção. – A gente vai ser sempre amigas, né?

– Para sempre… Indo e vindo. – Amandinha adora fazer isso, e eu gosto faz cosquinhas. Ela coloca o dedo no meu nariz e sobe até a testa. Virou nosso código de amizade. –  Indo e vindo até o infinito. Vai ser para sempre nós duas Lili, eu prometo.

7 ANOS DEPOIS

– O que você vai fazer hoje à tarde? – Giovana me encontrou no corredor da escola.

– Ficar com a minha avó, ela quer fazer algo junto comigo, diz que eu tenho saído demais, então vamos relembrar os velhos tempos.

– Fazendo o que? – Ela me perguntou curiosa.

– Plantando algo na horta e depois fazendo bolo… Eu até que gosto de fazer isso, amo fazer bolo e cuidar da horta, fora que eu amo minha avó. Então será uma boa tarde.

– Traz um pedaço para mim amanhã… Eu amo aquele seu bolo de prestigio.

– Vou trazer… Só não sei se vou fazer de prestigio, minha avó estava pensando em fazer de frutas vermelhas – Olhei para os lados procurando pela Lilian.

– Está procurando quem? –  Gio perguntou curiosa.

– Lilian, ela disse para você onde ela estaria no final da aula?

– Sim! Ela pediu para te avisar, ela saiu mais cedo, não estava se sentindo bem, a mãe dela veio buscar.

– Quando?

– Na aula, ué!

– Como eu não sabia disso?

– Esqueceu que você matou duas aulas hoje?

– Fala como se tivesse me julgando, nós sabemos que nem eu e nem você temos moral nesse quesito. – Falei fazendo ambas rirem. –  Mas o que ela tem?

– Acho que estava com cólica forte.

– Bom, depois eu vou na casa dela.

– Vai sim, ela vai gostar de te ver.

POV LILIAN

– Como está, meu amorzinho? – Minha mãe entrou no quarto, eu estava quase dormindo.

– Estou bem, mamãe.

– Você tem uma visita especial. Pode entrar. – Amanda surgiu pela porta, com um pote tampado. – Bom, vou deixar você duas porem o papo em dia.

– Como você está, Amanda? – Perguntei.

– Essa é uma pergunta que eu deveria fazer, não é? – Ela se sentou na minha frente. – Como você está?

– Estou bem, mas amanhã não irei na aula.

– Descanse o quanto precisar… Hoje passei a tarde toda com a minha avó, foi muito bom. Plantamos tomatinhos, cebolinhas… Fizemos bolo, eu trouxe alguns pedaços. – Ela esticou a vasilha. – Fizemos bolo de frutas vermelhas, eu trouxe alguns pedaços para você e para seus pais. Mas, como eu sei que o seu predileto sempre será o de chocolate, fiz um bolo  de chocolate para você, é um bolinho bem pequeno, mas… É para você.

– Nossa, muito obrigada. Seu bolo sempre será o meu predileto.

– Eu sei disso. E admita, eu também sou sua pessoa predileta, não é?

– Ok, eu admito. – Me sentei mais de lado, ela entendeu e se sentou do meu lado. – Quer um pedaço?

– Quero. O que vai fazer esse fim de semana?

– Vou pescar com meu pai.

– De novo?

– Eu gosto… Mas, porque a pergunta?

– Vai ter festa na casa do Felipe, os pais dele vão sair… Vai ser bem legal, todo o primeiro ano vai.

– Você vai?

– Claro! Essas festas são ótimas.

– Essas festas sempre têm bebidas. Amanda, nossos pais não gostam disso.

– Eles não precisam saber que vamos beber.

– Amanda, por favor não faça isso.

– Pare de cuidar um pouco de mim! Só quero me divertir, somos adultas já!

– Adultas de 14 anos? Eu nunca ví isso!

– Seja um pouquinho sociável, saia dos livros e largue sua câmera fotográfica e venha comigo! A Gio também vai, vamos nos divertir.

– Eu vou. – Ela pulou na cama de tanta alegria. – Eu vou mas é para ficar de olho em você!

– Já aviso que não preciso de babá, e sim da minha melhor amiga. E é isso que você é.

– Ainda sou?

– Porque o espanto?

– Achei que aquelas duas que você anda para cima e para baixo no intervalo eram suas melhores amigas.

– Besteira! Pare com ciúmes. –  Ela começou a me encarar.

– O que foi? – Perguntei curiosa.

– Lili, você já beijou alguém?

– Você já? – Fui pega de surpresa.

– Não me responda com outra pergunta, me responde você.

– Bom, eu ainda não.

– Eu já.

– Com quem?

– Você não o conhece, estava de passagem na cidade… Parece brava, Lilian você está brava?

– Eu? NÃO, CLARO QUE NÃO… Não vou sair beijando a toa por ai.

– A vida não é como os romances que você lê por ai.

– Minha vida vai ser como eu quiser.

– Meu Deus, você está brava – Amanda disse rindo. – Bom, você gosta de algum garoto?

– Não.

– Você precisa beijar alguém, Lilian… Já sei, você disse que precisa beijar alguém que você goste. Como eu sei que isso vai demorar, vou te fazer um favor. Olhe para mim. – Me virei. – Espere. – Amanda se levantou e foi até a porta do meu quarto e trancou.

– O que você está pensando em fazer, Amanda? – Perguntei com o meu coração acelerando, só de pensar na hipótese do que poderia estar por vir. Eu menti descaradamente, eu gosto sim de alguém. Eu gosto dela. Ela é linda, inteligente e eu sempre me imaginei casando com ela. Só que nunca disse isso para ninguém porque sei que isso é bem errado.

– Pronto, vou te ensinar a beijar. – Ela voltou a se sentar do meu lado.

– O que? – Quase pulei da cama.

– Vou te ensinar! Você tem que estar preparada quando um garoto vier te beijar, não quero que você pague algum mico.

– Mas, somos duas garotas. – Fingi me importar com isso.

– Eu sei! Mas… Mas é diferente, quantos filmes a gente viu que meninas se beijam por diversão? Quantas mulheres cumprimentam as outras com selinhos? Só vou te ensinar sem maldade nenhuma. – Fiquei parada olhando para ela.

– Alguma instrução?

– Apenas fique calada. – Ela disse séria e eu comecei a rir. – Rindo do que?

– Você parece nervosa Amanda.

– Aff, claro que não! E para de rir senão não vou te ajudar mais. – Travei minha vontade de rir.

– Amanda…

– Xiiiu, fique calada e feche os olhos. – Senti a boca dela encostando na minha, seus lábios devagar foram se abrindo. Senti sua língua transitando dentro da minha boca, resolvi imitar seu gesto. Eu precisava respirar, mas não queria tomar ar, eu queria exatamente isso. Beijar Amanda, por alguns minutos me permiti sentir como se ela fosse minha namorada. Seu cheiro, sua boca… Sua língua tem um gosto tão bom. Meu corpo parecia explodir de tanta alegria, preciso tocá-la. Estiquei meus braços para abraça-la, então ela desfez o contato. Seu rosto estava vermelho, sua boca lindamente inchada, ela ficou me olhando sem me falar nada. – Não precisava me abraçar… Era só um treino.

– Desculpa.

– Isso é segredo, tá me entendendo? – Amanda disse bem rude, ela se virou para frente, ficamos em silêncio. – Preciso ir, melhora logo. – E bateu a porta do meu quarto sem ao menos me encarar.
 

POV AMANDA

Dias depois.

– Vai furar um buraco na terra. – Gio falou me tirando dos meus pensamentos.

– Estou esperando a Lilian, ela disse que viria.

– Eu acho que ela realmente vem, ela não é tratante, ela não vai furar com você. Me admira você ter conseguido convencer ela.

– Isso até que foi fácil. Ela precisa ser mais sociável.

– Já te falei, pega leve com ela. – Giovana falou calmamente enquanto olhava um carro se aproximar. – Acho que ela chegou.

Eu não podia acreditar! Eu queria matar a Lili, ela pediu para o pai dela traze-la! Como assim?

– Olá, Senhor Gustavo. – Fingi naturalidade.

– Olá, meninas! Estão lindas! Uau! Filha, está entregue, qualquer coisa ligue para o papai que eu venho te buscar. Aproveite, é sua primeira festa!
– Pode deixar, papai… Te amo.

Eu não consegui vê-la afinal estava escuro dentro do carro e minha vista estava embaçada, eu iria dar um xingo nela assim que o pai dela virasse a rua! Como assim contar dessa festa para um pai!

Mas quando ela desceu do carro eu senti perder o ar e qualquer motivação para xingá-la. Lilian estava levemente maquiada, cabelo feito uma trança lateral, sapato de salto e uma calça jeans quase branca rasgada acompanhada de uma blusa verde militar e uma jaqueta de couro. Simplesmente linda.

– Nossa, Lilian! Para quem se arrumou desse jeito? Você está linda!

– Obrigada, Giovana. – Ela estava tímida. – Está bom mesmo?

– O que? Está ótima! Não está, Amanda? Fala alguma coisa, Amanda!

– Oi? Oi! É tá legal, Lilian. Tá bem legal.

– Obrigada, Amanda.

– Mas, porque avisou para seu pai sobre a festa?

– Calma, antes que venha me xingar, eu avisei porque me sinto mal de esconder isso deles… Minha mãe até vibrou de alegria disse que uma vez na vida eu iria agir como alguém da minha idade.

– Por isso eu amo sua mãe. Agora vamos meninas!

Tentei a maior parte do tempo ficar perto da Giovana e da Lilian, afinal, entramos juntas na casa, mas, para meu maior stress os meninos da festa só sabiam comentar no “mulherão” que a Lilian é e como ela está gata. Até o Henrique chegou em mim, para pedir para perguntar para Lilian se ele tinha chance.

Resolvi deixar Lilian de lado já que ela é sucesso garantido e encontrei minhas duas amigas, aquelas que Lilian não gosta, me juntei a elas. Lilian é a atração do lugar, não precisa de mim.

Continua…

 

One thought on “POR TODA VIDA – PARTE 1

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.