Romance Indômito – Parte 4

A notícia de que Ava Shuester, a grande estrela do circo Solaris, havia passado uma semana inteira sem apresentar-se, residindo temporariamente no lar de Cristina, a novata, não demorou a correr nos domicílios de Bougainville. E os moradores não foram os únicos a saberem das novas.

Jacques Bouchet, dono do circo e repudiado pelos próprios empregados, surpreendeu-se com o sumiço de “sua aposentadoria” – como costumava chamar Ava –, ao mandar chamarem-na para uma conversa de negócios.

– Como assim não está na casa? – Perguntou impaciente, destratando uma funcionária do circo. – Consiga alguém que saiba onde ela está, ora! Para que você é paga afinal?

Após meia hora de relógio, um informante foi encaminhado à sua sala.

– Vamos, diga logo onde você viu Ava Shuester! – berrou, tão estridente quanto uma gralha.

– Eu vi a moça na casa de Cristina, neta da falecida Abigail, doutor! Ela passou toda a semana lá… – desembuchou, em troca de poucos trocados, um velho fofoqueiro de praça.

– Tá, pode sumir agora! – Expulsou o homem com um aceno, vendo-se sozinho com os próprios pensamentos.

Estava perplexo com o comportamento de sua acrobata. Por que ela se importaria tanto com uma matuta?

“A não ser que…”

Uma suspeita fazia Jacques bufar de desgosto. Detestaria que sua maior fonte de renda o obrigasse a despedi-la. Ela não seria capaz de manchar o próprio nome com uma aventura pecaminosa. Ou seria?

Temia que o seu amado circo virasse um antro de aberrações, a começar por sua mais promissora artista. O homem passou a mão na testa, secando o suor que brotava em seus poros. Tremia só de pensar nesta possibilidade.

“O que está acontecendo com você, minha galinha dos ovos de ouro?”, falou baixinho, cogitando qual próximo passo dar em sua estratégia.

…………….

O retorno de Ava e Cris ao espaço de treinamento foi recebido com alegria pelos artistas que lá ensaiavam, com exceção de Jacques Bouchet, que observava a cena a uma distância razoável e conseguia sentir uma ligação intensa entre as duas acrobatas – ligação esta que não o agradava.

– Ah, querida Ava! – zombou, aproximando-se das moças. – Pensei que eu fosse o dono do circo e não a senhora.

– Não entendi… O que quer dizer? – indagou Ava, com seriedade.

– Quero dizer que o circo perdeu sua maior atração, porque a estrela principal resolveu passar a semana fora. – Replicou irônico, torcendo para que ela caísse na armadilha e percebesse o perigo que corria.

– Cris – Ava apontou para a jovem ao lado – estava de luto pela avó. Passei uns dias na casa dela para confortá-la e ajudá-la no que fosse preciso.

Cris sentiu a frieza e o medo mesclados na voz de sua amada.

Jacques Bouchet fez uma cara irônica:

– É bom mesmo. – respondeu, por fim, e virou as costas, marchando de volta ao seu escritório. “Estou de olho em você, Shuester”, conjecturou mentalmente.

Os funcionários que presenciaram a cena emudeceram, compactuando da mesma indignação de Ava.

Pezinho, o anão enfezado de bom coração, não deixou de dar seu pitaco:

– Bah! Como queria dar um chute na bunda daquela paca gorda asquerosa!

Todos riram com a provocação de Pezinho. Dali em diante, o dia seguiu normalmente.

…………….

Alguns meses haviam se passado desde a morte de Abigail, e a dor de Cris parecia ter esvanecido, graças ao amor que Ava lhe dedicava constantemente. Se antes não se imaginava namorando outra mulher – em parte pelo desconhecimento da própria sexualidade –, agora, não encarava a vida sem a presença de uma.

Embora a mentora e a aluna se encontrassem secretamente, o afeto que sentiam uma pela outra não passava despercebido aos olhos alheios. Tanto os funcionários, quanto os artistas suspeitavam do envolvimento entre as duas, mas, por solidariedade, nada comentavam, nem cogitavam dedurar para o carrasco do Bouchet. Este, por sua vez, quase certo da “culpa” de Ava, buscava apenas um meio de pegá-la no ato.

Numa noite quente, já nos resquícios do verão, a trupe comemorava o sucesso de sua turnê em Bougainville e estava acontecendo uma grande festa, sendo os cidadãos igualmente convidados a celebrar. A grande novidade, contudo, era a parceria em cena entre a acrobata principal e sua mais nova coadjuvante, Cris, as quais enchiam a plateia de contentamento e nervosismo, com os dificílimos e certeiros movimentos.

Durante os festejos, Cris e Ava pareciam gravitar entre si, deslizando com classe por entre os convidados e, volta e meia, retornando ao encontro uma da outra.

– Onde a gente marca hoje? – sussurrou Cris, ansiosa para ficar a sós com sua parceira.

– Atrás do picadeiro, bem longe dessa multidão toda. – sugeriu Ava, esboçando um sorriso torto.

Na hora combinada, quando a maioria dos artistas já estava bêbada ou dormindo, e os convidados já voltavam para suas casas, encontraram-se no local combinado, fora do alcance de visão de qualquer voyeur.

– Estava morrendo de saudade sua… – Confidenciou Ava no ouvido de Cris, mordendo o lóbulo da orelha dela sensualmente. As bocas não se demoraram a encontrar, sincronizadas com os movimentos das mãos, que se acariciavam mutuamente.

Seguindo os passos das duas, Jacques Bouchet escondera-se numa moita próxima dali, para o azar das jovens amantes.

– Peguei você, Ava Shuester. – Declarou para si mesmo, assistindo, com ódio, à tórrida cena que se desenrolava à luz do luar.

 

Continua…

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