Romance Indômito – Parte 2

 

Ao final de uma semana de trabalho duro, Cris e mais dois novatos haviam sido escolhidos como acrobatas – iniciantes – oficiais do circo Solaris. Como o treinamento duraria até o término do verão, precisavam de uma rotina rígida de exercícios, a fim de completar o cronograma antes que o circo saísse de Bougainville. Quem se sentisse pronto para deixar, por um longo período, a sua família e a terra natal, poderia partir com a trupe.

A cada dia de treino, Cris chegava em casa com mais calos do que no dia anterior, mas sempre era incentivada pela avó a não desistir do sonho. Também se queixava de que sua tutora, e maior inspiração artística, era extremamente dura, em especial com ela.

– Nunca achei que ela fosse pegar tão pesado… E o pior é que é principalmente comigo! – Reclamou a garota, colocando curativo em um calo na altura do indicador. – Às vezes, parece até que me detesta…

– Vai ver ela quer que você seja muito boa no que faz… – sugeriu Abigail, tentando apaziguar. – Talvez ela goste mais de você do que parece…

– Ah, tá! Imagine se ela me amasse! – Ironizou Cris, caindo na gargalhada. – Graças a Deus, amanhã é feriado. – Suspirou, encostando a cabeça no ombro da avó. – Te amo, vó… – falou espontaneamente.

– Também te amo, minha filha… – replicou Abigail, fazendo cafuné na tão querida neta.

……..

O sono tranquilo e profundo de Cris fora interrompido bruscamente ao amanhecer do feriado. Abigail surpreendera-se com a visita inesperada que recebera aquela manhã e, a pedido da sua “convidada”, fora despertar a neta:

– Cris, acorda, minha filha… A jovem emitia apenas alguns grunhidos, sem ter noção do que a esperava. – A sua treinadora está aqui! – disse desesperada a velha senhora, ao que a moça ignorou com um ronco.

Vindo da sala, a figura imponente de Ava Shuester atravessou com elegância todo o percurso até quarto de sua “aluna”, onde encontrou a avó da moça. Os olhinhos da miúda Abigail fitaram a acrobata, como se expressassem sua total falta de ações.

– Pode deixar que eu cuido disso. – assegurou Ava, segurando os ombros da idosa com ambas as mãos, num gesto cuidadoso. Abigail deixou-a sozinha com Cris, que dormia pesadamente, fechando a porta do quarto.

– Cristina… – Ava proferiu baixinho, alisando a testa da moça. Fitou-a por mais um tempo. O cabelo curto e avermelhado dava-lhe um ar selvagem e sua maneira de ser indicava uma natureza boa, de garota brincalhona e inocente. “Por que me importo tanto com você?”, ponderou Ava, após apreciar a vista daquele belo corpo feminino, enfiado numa camisola minúscula, a qual transparecia o formato dos delicados seios da jovem. Temerosa com a intensidade das próprias emoções, Ava começou a sacudir a garota com força, como se quisesse apagar a ternura que a invadia.

– Vamos, acorde! Não seja preguiçosa! – Ordenou, num tom áspero e firme. Deveria resistir à tentação.

Cris acordou num sobressalto. Questionou atordoada:

– Que foi?

– Vamos treinar.

– Hoje não é feriado?

– Não para mim. Nem para você. – A mentora jogou uma muda de roupas na cama da moça e dirigiu-se à porta. – Você tem 5 minutos. Vista-se.

………….

O diabo parecia ter inspirado Ava naquele feriado, pois nem ao descanso a pobre Cristina teve direito.

– Anda logo! Você é muito devagar…

A garota saltava de um trapézio a outro para, de imediato, pular na rede de proteção, executando movimentos considerados avançados para o seu nível. Exausta pelas duas horas consecutivas, Cris enfrentou sua instrutora.

– Chega! Não aguento mais… – pegou uma toalha limpa do armário e fez menção em secar-se, mas, antes que o fizesse, Ava estreitou-a contra a parede.

– Você só para quando eu mandar. – Ameaçou, impedindo a jovem de realizar qualquer movimento. Cris a encarou furiosa.

– Vai fazer o que, abusar de mim?

Um sonoro tapa ecoou pela sala de treinamento. A pupila recebera o castigo pelo desrespeito. Com o lábio inferior partido, Cris se desvencilhou da mulher por quem nutria algo tão contraditório – amava-a e odiava-a simultaneamente –, escondendo-se no banheiro para chorar à vontade.

Ava arrependeu-se de imediato do gesto hostil, mas permitiu que a aprendiz extravasasse a raiva. Esperou-a, então, sair do sanitário.

– Venha. Vou fazer um curativo em você. – articulou calmamente, sem pedir desculpas.

– Não vou. – respondeu Cris, com o orgulho ferido e a voz oscilante.

– Vai, sim! Não pode continuar com esse sangue todo! – reclamou Ava, segurando a jovem pelos ombros, em direção à enfermaria. – Não me faça lhe dar outro tapa!

Obrigou Cris a sentar na cadeira e começou a tratar do pequeno corte labial. A experiente acrobata se viu desolada com o olhar de desprezo da moça.

– Me desculpe. – falou enfim, aplicando gentilmente um antisséptico na ferida.

– Por que você me odeia tanto? – Indagou a garota, deixando uma lágrima cair. – O que eu fiz a você?

Ava sentiu seu peito apertar. Não queria que sua mais adorada discípula a interpretasse mal.

– Eu não odeio você…

– Então por que me trata desta forma? Por que me trata diferente dos outros novatos? – proferiu Cris, agora, soluçando.

Ava segurou o rosto dela entre as mãos e a envolveu num abraço afetuoso. A enérgica e exigente atleta de outrora dera lugar a uma mulher sensível e cuidadosa, a qual Cris desconhecia até então.

– Quero que você seja uma das melhores acrobatas, por isso estou lhe treinando em pleno feriado. Você tem… futuro – revelou, sem soltar a moça do abraço. – Ou será que prefere o departamento dos palhaços?

Cris sorriu com a pergunta, acalmando-se um pouco. Ao vê-la mais recomposta, Ava ficou mais serena, esboçando um sorriso torto que encantava muitos admiradores – inclusive a jovem trapezista aninhada em seus braços.

“Que sensação estranha…”, refletiu Cris, ao constatar que não queria mais desgrudar de sua “professora”.

– Vamos, eu lhe levo para casa. Chega por hoje.

Lado a lado, caminharam rumo à casa de Cris, até a soleira da porta, onde se despediram com um aceno tímido.

No entanto, após percorrer alguns metros de distância, Ava decidira parar, pois avistara Cris, debulhada em lágrimas, regressando ao seu encontro.

– Por favor, me ajude! Minha avó não está respirando!

Continua…

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